quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Tempo de sonhar

Mais um ano se passou. E outro chega, nos trazendo, como sempre,  algumas dúvidas, incertezas, mas tambem  perspectivas, que sempre devem ser acompanhadas de sonhos e planos. Que nossas mentes e nossos corações estejam preparados para novos desafios. É preciso pedir a Deus que nos ensine a enfrenta-los com altivez e coragem. Sem lagrimas e sem preguica. Que Ele não permita que nos isolemos ou cruzemos os braços, a lembrar tarefas passadas como desculpas que nos dispensem de novos esforços.

Aos amigos de bar, frequentes ou eventuais,  um Natal cheio de sorrisos. E que 2011 venha acompanhado de muitas alegrias, realizações, saúde e paz. Tomara que o ano que chega seja repleto de muitas boas notícias para todos nós. Afinal, nós merecemos, não é mesmo ? Obrigado pela companhia neste boteco. E pelo carinho indispensável. Brindemos!!!

quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Incríveis

A música foi sucesso com a mesma banda que dizia existir por aí um garoto que, como eu, amava os Beatles e os Rolling Stones. Como bem notou Bete, frequentadora deste boteco, a canção serviu de inspiração para o nome do blog. Pena que, incrivelmente, não encontrei nenhum vídeo original com a banda. Não é a música  tema do blog, mas poderia ser.

Para ouvir, clique no 'play' abaixo.


quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Daktari

Existem alguns ícones que ficam marcados para sempre em nossas vidas. E muitos são relacionados com a televisão. Quem é do tempo do 'reclame', como eu, certamente se lembra do '- Quem bate ? - É o frio!', e a musiquinha 'Nào adianta bater, eu não deixo você entrar...'. Assim como esses 'reclames', alguns seriados tambem marcaram a vida de muitos de nós. Quantos não fomos apresentados, através da televisão, a um mundo diferente, habitado por Jerônimos, Paladinos e Noviças Voadoras ? Eu tinha alguns preferidos. Gostava de assistir 'Viagem ao Fundo do Mar', 'O Túnel do Tempo' e 'Terra de Gigantes'. E tambem de 'Daktari'. Na época eu nem sabia, mas Daktari era ambientado no Quênia. O herói era um veterinário americano que vivia numa reserva cuidando de animais como leões e elefantes. Ele tinha um mascote chamado Clarence, um leão vesgo que ajudava a combater os vilões que invadiam a reserva. Daktari era um pouco diferente dos outros seriados porque não se baseava somente em ficção. Tipos, todos sabíamos que aquele mundo existia de fato. Que não era um mundo paralelo, embora habitado tambem por feras e gigantes que pareciam irreais aos nossos olhos. Quando digo ´nossos´ me refiro aos amigos de Cabo Verde que jamais havíamos visto nenhum animal selvagem de perto. A não ser quando um circo passou por lá, mas os animais eram tão magros e maltratados que, em vez de medo, sentíamos pena deles. O leão, coitado, vivia numa jaula pequena e dava pra ver até as costelas do bicho. De lá para cá voltei a ver muitos outros animais africanos de perto, mas sempre em zoológicos ou cativeiros. Por isso foi muito especial fazer um safari jornalístico no Quênia. O país é um dos mais pobres do mundo. O censo nacional, divulgado dois dias depois de nossa chegada, revelou indicadores que lembram o Brasil de 50 anos atrás. Somente doze por cento da população tem acesso à água encanada. A renda per capita é de pouco mais de 300 dólares. Ou seja, cada habitante recebe, em média, menos de 1 dólar por dia. E pouco mais de cinco por cento das famílias possuem televisão em casa. Este último dado acaba criando lá, situações raras aqui pelo Brasil. Em um domingo, por exemplo, viajamos mais de 700 quilômetros para chegar até um parque nacional. No caminho passamos por muitas vilas e povoados. E em todos havia muita gente nas ruas. Os quenianos mantém o saudável hábito de conversar em grupo nas praças e mercados.  Famílias inteiras se reunem, depois dos cultos ou missas, para animadas conversas. Eu fiquei imaginando se haveria tanta gente nas ruas se todos tivessem televisões em casa. Pena que a viagem foi curta e não foi possível mostrar, nas reportagens, um pouco dos hábitos e da vida dos quenianos. A missão era outra: acompanhar uma transferência de bufalos. E tentar alguns flagrantes nas reservas e parques nacionais. Parece fácil, mas fazer matérias sobre bichos não é mole, não. Ainda mais se o bicho é selvagem, grande e pode matar facilmente uma pessoa. Não dá pra fazer uma matéria contemplativa sobre estes animais. Ficaria chato toda vida. E obviamente não dá tambem para interagir com eles. Com exceção da caçada aos búfalos, nas outras reservas não podíamos descer do carro em nenhum momento. Claro que desobedeci estas ordens algumas vezes, ou não conseguiria fazer as reportagens. E olha, vou te dizer viu, não dá pra descrever a sensação de estar a poucos metros de feras como leões e rinocerontes em ambiente natural. 
Aliás, descobrimos lá um santuário que tenta salvar os últimos rinocerontes brancos do norte. Esta é, talvez, a subespécie mais ameaçada do planeta. Só existem oito rinocerontes assim no mundo. Quatro estão num zoológico dos Estados Unidos. Os outros quatro estavam tambem num zoológico da República Tcheca, mas foram transferidos para este santuário no Quênia.  Especialistas estão tentando fazer com que estes bichos recuperem, no ambiente natural, o gosto pelo acasalamento. É a última e desesperada tentativa de salvar a espécie da extinção absoluta. Estão entre a cruz e a espada: ou transam ou desaparecem. Eu, no lugar deles, não pensaria duas vezes. E não são somente estes gigantes que estão ameaçados. A população de leões tambem vem diminuindo gradativamente no Quênia e em outras nações africanas. Inclusive a transferência dos búfalos só foi feita porque leões estavam morrendo de fome em uma determinada reserva. É com ações deste tipo que alguns quenianos tentam manter o delicado equilibrio nas reservas e parques nacionais. Tal qual o Dr. Daktari, ainda existem heróis solitários lutando pela vida selvagem no Quênia. 


Ah, claro que muitos vão discordar, mas na minha opinião o bicho mais bonito de todos os africanos é a girafa. Graciosa, delicada, elegante e ao mesmo tempo, lerda e desengonçada. Tipicamente femininas, lembram algumas top models por aí. E lá é possível encontrar grupos com dezenas delas caminhando livremente nas savanas. Como diz aquele 'reclame': não tem preço!  


A reportagem sobre a transferência dos búfalos voce pode assistir clicando abaixo: 

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Paratodos

"O meu pai era paulista
meu avô pernambucano
o meu bisavô, mineiro
meu tataravô baiano..."

O versos iniciais de 'Paratodos', do genial Chico Buarque, mostram bem o caldeirão multiracial em que vivemos. Embora tenha nascido em berço esplêndido (o pai era historiador e a mãe, pintora e pianista) Chico jamais revelou qualquer simpatia pelo preconceito. Muito pelo contrário. Ele já incorporou, em suas canções, vadios e miseráveis. Já foi o guri que rouba nos semáforos e a biscate que gosta de apanhar. E exatamente por se sentir parte destes vários ´Brasis´, Chico é um exemplo a ser seguido. Mas nem todos se miram nele. Alguns acontecimentos recentes mostram que, ao contrário de Chico, muitos brasileiros estão aprendendo a enxergar através das lentes do preconceito e da intolerância. Primeiro foi uma garota chamada Mayara Petruso, estudante de Direito, que postou no Twitter uma mensagem culpando os nordestinos pela vitória de Dilma Roussef.




A mensagem ganhou eco na Internet e logo apareceram algumas mentes insanas para apoiar a moça. No rastro do ódio destilado pelos intolerantes surgiu tambem um sujeito em Santa Catarina, comentarista da RBS, afiliada da Globo, que vomitou preconceito contra os pobres. Ao vivo e em cores. Para o fascista, os pobres são responsáveis pelos acidentes de trânsito. E o governo é culpado por ter permitido o acesso dos ´miseráveis´ a estes bens de consumo.

Se você tiver estômago, assista a performance abaixo:




Talvez incentivados pelos exemplos da estudante paulista e do comentarista gaúcho, um grupo de jovens de classe média em São Paulo resolveu agredir alguns rapazes que passavam pela calçada. As imagens da agressão foram gravadas por cameras de segurança. Veja abaixo.



Os pais dos agressores disseram que tudo não tinha passado de uma briga banal. E que os 'meninos' reagiram porque tinham sido 'cantados' pelos rapazes. Apesar das imagens desmentirem a versão dos pais, a justiça se apressou em liberar os agressores. Aliás, é incrível como a justiça age com rapidez quando se trata de libertar ou inocentar filhos de pais abastados. Age assim para poucos. Deveria ser para todos. Aliás, em nenhum destes casos, os agressores sofreram qualquer tipo de punição.


Mas assim, com bad-boys e old-boys, temos três agressões em sequência. Será que foi coincidência ? Ou será que uma nova geração, racista e homofóbica, está mostrando a cara ? Afinal todos os personagens têm pontos em comum. Estudam ou estudaram em colégios caros. Estão acostumados a passar férias no exterior. E só se sentem bem enquanto estão nos seus quadrados. Afinal, nos quadrados deles todos são ´iguais´. Por isso não suportam os 'diferentes'. E os 'diferentes' são todos aqueles que estão numa escala abaixo daquela que eles estabelecem como padrão: a condição social. Todos aqueles que são mais pobres do que eles são considerados inferiores. Para não passar em branco pela vida estes 'iguais' encontram amparo no preconceito, no ódio e na intolerância. Como diria Chico Buarque, vão morrer na contramão. Atrapalhando o tráfego.

Finalizando, para os amigos de bar, uma boa dose de Chico Buarque! De graça e para todos.

terça-feira, 9 de novembro de 2010

A tragédia silenciosa

Amigos de bar, mais uma vez o balcão ficou vazio por um tempo. Menos mal que só eu me ausentei. Porque, apesar do boteco ter ficado desatualizado, os amigos continuaram frequentando o pedaço. Obrigado mesmo, de coração, pela presença. E entendam, meus caros, que o silêncio faz parte da mineiridade. De vez em quando, períodos de quietude são necessários. Para acalmar a alma e sossegar o facho. Mas chega de filosofia barata. Vamos ao que interessa. Esta semana, no programa Domingo Espetacular, foi exibida uma reportagem sobre um tema muito delicado: a morte de crianças indígenas em aldeias brasileiras. A matéria foi fruto do trabalho incansável do produtor Ricardo Madureira e da edição impecável de Cristiane Massuyama. Mas antes de falar sobre a reportagem, permitam-me um devaneio. Durante anos trabalhei em um programa, veiculado pela Globo de Campinas, que aborda temas como conservação e meio ambiente. Para fazer as reportagens, estive inúmeras vezes na Amazônia. E conheci muitas aldeias indígenas. Este contato com os índios continuou na Record. Quando fiz a reportagem sobre a queda do avião da Gol, por exemplo, foi com a ajuda dos índios, liderados pelo cacique Megaron Txucarramãe, que entrei na área onde estavam os destroços. E já contei aqui no blog tambem como foi bacana conhecer os Iawanawas, nos confins do Acre. Mas confesso que um detalhe sempre me intrigou. Em todas as aldeias que estive, e não foram poucas, jamais vi um índio portador de deficiência (física ou mental). Ou cego. E então pensava com meus botões: 'poxa, como a natureza é sábia. Ela coloca os índios num ambiente hostil mas, ao mesmo tempo, os capacita com o privilégio de não terem deficiências tão comuns ao homem branco'. Agora, depois de alguns meses trabalhando nesta reportagem, descobri que minha avaliação estava completamente equivocada. E era ingênua. Nascem, sim, muitos portadores de deficiências nas aldeias brasileiras. Talvez até mais do que nas cidades, por causa da consanguinidade. Como a população das aldeias é relativamente pequena, parentes proximos entre si acabam se relacionando. O que acontece é que, em muitas destas aldeias, as crianças que nascem com algum tipo de deficiência são mortas. Assim como filhos de mães solteiras, gêmeos, albinos e cegos. Todos são eliminados. Alguns, logo que nascem. Outros, assim que as deficiências ou doenças dão os primeiros sinais. Os gêmeos são mortos porque, segundo a cultura indigena, são frutos de um espírito mau. Algumas etnias matam os dois bebes. Outras matam somente o segundo bebê. Ainda segundo a tradição, para que os maus espiritos não se espalhem pela terra, o último suspiro não pode ser dado ao ar livre. Então, as crianças são afogadas ou enterradas vivas. Existem cerca de duzentos povos indígenas no Brasil. E pelo menos vinte ainda praticam esta perversa tradição. Para fazer a reportagem, estive no Mato Grosso, Paraná e Brasilia. E conheci alguns personagens desta tragédia silenciosa. Pessoas que carregam o estigma de sobreviventes, porque estiveram marcados para morrer. Alguns chegaram a ser enterrados. Foi comovente ouvir o relato de pessoas que arriscaram a vida para salvar pequenos índios condenados. Por quebrar a tradição, estes heróis anônimos foram condenados ao exílio. E vivem longe de suas aldeias. É um erro grave imaginar que os índios não sofrem quando uma criança é morta. Muitos pais preferem se matar, em vez de ver a morte dos proprios filhos. Um grito silencioso de socorro ecoa nas aldeias. E as autoridades se calam. Ninguem da Funai se prontificou a gravar entrevista. Além disso, muitos antropólogos defendem a tese de que não se deve interferir nestas práticas, porque 'a cultura do índio deve ser preservada'. Alguns acham que os índios fazem isso por conveniência. Outros entendem que a prática é, na verdade, uma seleção 'natural' para escolher os mais 'aptos' a sobreviver na selva. Imagino que, entre outras teses, defendam tambem o apedrejamento de mulheres e a mutilação de meninas em paises muçulmanos. Enquanto a sociedade debate, e as autoridades se calam, crianças ainda são mortas em nome da tradição.


A foto que abre o post mostra a índia Muwajii com a filhinha Iganani nos braços. Nesta época elas ainda viviam entre os suruarrás, no sul do Amazonas. Algum tempo depois, Iganani começou a demonstrar sinais de uma doença que mais tarde seria diagnosticada como paralisia cerebral. Foi quando a tribo exigiu a morte de Iganani. Para não matar a própria filha, Muwajii fugiu da aldeia. Hoje ela vive com a filhinha, que é linda, numa Ong em Brasília. Muwajji é uma das personagens desta história. Que acontece desde sempre no Brasil. E desde sempre é ignorada pela imprensa e pela imensa maioria dos brasileiros.

A reportagem completa você pode assistir clicando abaixo.


quinta-feira, 8 de julho de 2010

Brigam Espanha e Holanda

Amigos de bar! Depois de um longo e tenebroso inverno, eis-me de volta para breves pitacos. Meu irmão Flávio Arantes me lembra que, por uma dessas espetaculares e maravilhosas coincidências da vida, Milton Nascimento e Leila Diniz previram, num lindo poema, a batalha final na África do Sul.

Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar
O mar é das gaivotas
Que nele sabem voar
O mar é das gaivotas
E de quem sabe navegar

Brigam Espanha e Holanda
Pelos direitos do mar
Brigam Espanha e Holanda
Por que não sabem que o mar
É de quem o sabe amar...

Na antiguidade, espanhóis e holandeses navegaram pelos sete mares. Em busca de ouro e terras, os 'conquistadores' saquearam, mataram e aniquilaram povos e culturas. E os holandeses desbravaram fronteiras marítimas. Ei-los aí, de novo. Tantos séculos depois, brigam Espanha e Holanda pelos direitos da bola.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

O primeiro 'furo' a gente nunca esquece...

Tudo que é bom, dura pouco. O ditado é batido, mas verdadeiro. E foi bem isso que aconteceu comigo lá pelos idos de 1989. Como contei nos posts anteriores, depois de pegar o gostinho pela rua, a minha fase ´repórter´ terminou bruscamente. Bastaram aquelas duas entrevistas. E os repórteres da tv de Varginha que tinham estado doentes, ausentes ou sido abduzidos, voltaram. E lá fui eu de volta para a rádio-escuta. Ali eu falava com muita gente, todos os dias. Durante a ronda, ligava pra tudo que é prefeitura, delegacia, hospital, posto da PM, rádios, enfim, tinha um repertório imenso de fontes. Gente que eu só conhecia por telefone. Mas como falava com todos, todos os dias, acabei ficando amigo da maioria. Me lembro que, na época, até tinha escapado de uma multa porque 'conhecia' o guarda rodoviário. E essa cumplicidade com os contatos me ajudou demais da conta quando surgiu a oportunidade de mais uma matéria. Aqui tambem cabe um esclarecimento. Uma coisa é fazer um telejornal de quase uma hora em São Paulo, onde, a toda hora, tem algo acontecendo. Outra, bem diferente, é cumprir a mesma missão numa região como o sul de Minas. A região está entre as mais belas do planeta. A todo momento você fica diante da visão da infinita beleza. E os personagens são os mais espetaculares. Mas só isso não basta para fazer um telejornal. É preciso o factual. E lá, amigos de bar, o tempo passa devagarzinho, quase parando. Por isso, as equipes da noite tinham que fazer matérias sobre exposições de quadros, festas, jantares, palestras, reuniões políticas e, claro, shows de música. E depois de quase um mês na rádio-escuta, fui premiado com uma matéria em Itajubá. Para cobrir um show de Caetano Veloso. Como das outras vezes, a matéria caiu no meu colo de repente. Mas, antes, deu tempo de ligar para meu contato em Itajubá. Depois de tanto tempo, não me lembro mais o nome do cara, mas ele me deu a maior força. E disse o seguinte: 'Raul, sei o hotel onde o Caetano está. Vou te passar o endereço e você faz o seguinte: vem mais cedo pra Itajubá, passa no hotel antes do show e grava a entrevista com ele. Aí depois, no show, você faz só as imagens e pronto!" Maravilha. Tudo resolvido. Anotei o endereço e lá fomos nós. Meu cinegrafista se chamava Amadeu Canalonga. Ele era muito figura. Parecia um buldog. Tinha uma cara de enfezado que dava até medo.  Mas tinha um coração enorme. Chegamos em Itajubá e fomos direto para o hotel. Na recepção, perguntei pelo Caetano e disseram que ele estava na sala de jantar. Fomos pra lá com tudo pronto. Câmera, luz, microfone. Eu pensava o seguinte: 'Caetano Veloso é o maior gente boa da MPB. Ele vai ficar feliz em nos dar uma entrevista'. Quando chegamos no restaurante, Caetano estava jantando. Na mesa, só ele e um outro cara, com uma cabeleira imensa. O Amadeu dizia: 'Vai lá. Aproveita agora. Pega o homem enquanto ele está aqui.' E eu: - 'Cê tá louco! De jeito nenhum. Ele está jantando. Assim que ele terminar, eu vou.' Dito e feito. Quando Caetano pousou os talheres e pegou o guardanapo, lá fui eu, na esperança de que o mundo ficasse odara. Me agachei ao lado da cadeira dele e comecei a falar. Fui direto. Na veia. 'Oi, Caetano. Tudo bão ? Já jantou ?' E ele, sem entender nada, só concordou com a cabeça, enquanto limpava a boca com o guardanapo. - 'Então... eu estava esperando você terminar de comer pra vir te pedir uma coisa. É que sou reporter da tv sul de Minas e queria ver se você podia gravar uma entrevista com a gente aqui no hotel, antes do show. O que você acha ?' Ah, pra que falei isso! O cara que estava jantando com ele, o da cabeleira, teve um chilique na hora. -'Mas que petulância! Como tu se atreeeve ??? Não vê que estamos jantando ?? Caetano está cansado, está concentrado e tu vem perturbar nossa paz ?' Acho que ele era agente do Caetano. E não estava mesmo afim de colaborar.   Mas respondi na boa: -'Não, mas eu esperei vocês terminarem pra vir aqui. Faz tempo que chegamos.' E me virando para o Caetano, arrematei: 'Caetano, esta é a primeira vez que saio pra rua pra fazer uma reportagem. Se eu não conseguir uma entrevista com você, acho que não vou ter mais nenhuma chance. Por favor...' Não deu tempo de completar. O suposto agente se levantou, me deixando sem lenço e sem documento, pegou Caetano pelo braço e já foi saindo: - 'Ah, meu Deus!!! Que impertinência! Vamos Caetano, vou reclamar na recepção. Imagine!' Mas se virou pra mim e disse -' E tu, meu rei, se quiser, vai no camarim depois do show que ele fala com tu'. ´Fala mesmo ??' Tá combinado ??' Ele me olhou por cima do ombro, não disse nada e saiu ao lado de Caetano. Voltei animado, contei pro Amadeu o acontecido e combinamos de ir direto para o ginásio onde aconteceria o show. Quando chegamos lá, o ginásio já estava lotado. E ainda faltava muito para o show. No céu, uma meia lua inteira por certo iluminou meus passos. Porque olha só a coincidência. Dei de cara com o meu contato da rádio-escuta. Na verdade, ele me encontrou porque a gente não se conhecia pessoalmente. Mas se hoje é fácil identificar uma equipe de televisão na rua, imagine naquela época. Além do repórter e cinegrafista, ainda tinha o cara que carregava o vt (um trambolho imenso e pesado) e outro que fazia a iluminação. E equipes de televisão eram coisa rara naqueles tempos. Quando nos encontramos foi uma festa. Eu estava animado pela expectativa de entrevistar Caetano. E ele estava animado porque pensava que eu já tinha entrevistado Caetano. Quando falei o que tinha acontecido ele me disse o seguinte: 'Raul, trabalho em rádio aqui em Itajubá. E esses caras não falam depois do show nem a pau. Eles saem do ginásio e vão direto pro hotel. Isso quando não vão direto para o aeroporto.' - 'Vixe! E agora ? Dancei ?' Olha se voce quiser, te coloco no camarim do Caetano, antes do show. Conheço o segurança que fica na porta e é so pedir. Quer ? ' Claro' E fomos pra lá. O camarim tinha sido improvisado num dos vestiários do ginásio. Era um espaço bem grande e entramos ali dentro numa boa. Comemos alguns salgadinhos que estavam numa mesa grande e ficamos num canto, esperando pela chegada de Caetano. O tempo passou, mais e mais pessoas foram chegando, menos ele. E toda a equipe ali, num cantinho mais escuro, de pé, esperando. Nem vi por onde Caetano entrou. Quando percebi, ele estava bem no meio do vestiário-camarim. Vestia uma roupa larga e colorida e andava em circulos, como se estivesse orando. Estava se concentrando para o show. E o ginásio já estava apinhado de gente esperando por ele. Sabe aquelas horas que você se pergunta 'o que estou fazendo aqui ?' Pois é. Mas nem deu tempo de pensar muito. Só escutei um grito e quando vi aquele agente estava ao nosso lado, e não estava nada feliz com nossa presença. E de repente o caos estava formado. Enquanto ele gritava, eu tentava pedir desculpas e achar a porta da saída. Nisso, quem aparece bem na minha frente ?? Caetano Veloso. Ele me olhou candidamente e disse: 'Menino, mas você é persistente mesmo, hein ? Vai, arruma aí o microfone e faz a entrevista que você quer então.' Só ouvi o grito do Amadeu. 'Acende a luz e bate o branco pra mim!!! (bater o branco é balancear a câmera). Em seguida, disse: 'É teu, Raul!!!' Amigos de bar, foi quando me bateu o maior branco da vida. Estava no camarim, com o microfone na mão, Caetano diante de mim, sorrindo, e eu procurava na mente alguma coisa para perguntar e não achava. Amadeu repetiu 'Vai Raul, é teu, vai!' Fiz quatro perguntas. Todas, absolutamente sem noção. Perguntei o que ele achava de estar fazendo um show no sul de Minas. E Caetano disse que era bom demais, que as montanhas eram inspiradoras, que estar na terra de Drummond e Milton já era, em si, uma poesia. Perguntei porque fazia poucos shows em Minas, e ele respondeu o óbvio ululante 'eu venho com o maior prazer, mas tenho que ser convidado, né ?' mas se estendeu falando mais sobre Minas, sobre os mineiros, as montanhas, os doces e a poesia. Parecia que ele queria mesmo falar. Fiz mais duas perguntas absolutamente idiotas e ele respondeu na maior boa vontade. Depois se despediu e ainda disse, candidamente: 'Conseguiu, né ? Boa sorte na sua carreira'. O agente de Caetano, que olhava com espanto, finalmente se deu por vencido e saiu para organizar novamente o camarim. O show já ia começar. Quando saímos, Amadeu estava furioso. 'Raul, não acredito! Que perguntas foram aquelas que você fez pro Caetano ?' Eu sabia do que ele falava. Podia ter perguntado para Caetano sobre política! Estavamos em plena corrida eleitoral, tanto que Caetano, engajadíssimo, abria os shows dele cantando 'Lula-lá, brilha uma estrela...' Mas não! Perguntei o que ele achava de cantar em Minas. Podia ter perguntado sobre o próximo projeto dele. Mas não! Perguntei porque ele não cantava mais vezes em Minas. Estava envergonhado. Quase pedi pro Amadeu apagar tudo. Mas deixei passar. Fizemos imagens do show, entrevistei alguns fãs e voltamos para Varginha. Gravei um texto curto, chamando pelo show, pela expectativa das pessoas e encerrando com um clipezinho dele cantando. Deixei as fitas na mesa da editora e fui pra casa dormir. No dia seguinte, só iria para a redação à tarde. E fiquei esperando a matéria no jornal do meio-dia. Logo na escalada veio a manchete: 'Caetano canta e fala em Itajubá'.  'Canta e fala ??', pensei comigo. 'Que chamada mais sem noção!'  Mas a matéria encerrou o jornal. E me lembro da cabeça, chamando o vt. Era mais ou menos assim: "Caetano Veloso fez um show histórico ontem a noite em Itajubá. Cantou os principais sucessos da carreira. E deu uma entrevista exclusiva ao repórter Raul Dias Filho, rompendo um silêncio que já durava cinco anos." A entrevista foi exibida tambem no Jornal Hoje. Foi só uma fala rápida do Caetano, sem qualquer citação à autoria da entrevista. Mas destacando que, depois de cinco anos de silêncio, ele tinha feito as pazes com a imprensa. Quando cheguei na redação, à tarde, fui festejado por todos. Disseram que fui esperto ao evitar assuntos políticos já que a emissora, afiliada da Globo, então empenhadíssima para a eleição de Collor, jamais colocaria no ar qualquer manifestação pró-Lula. E que, a partir do dia seguinte, iria definitivamente para as ruas. O primeiro 'furo' foi totalmente casual. Mas me ensinou que, no jornalismo, a persistência é companheira da realização. E que a sorte só sorri para quem corre atrás dela.   

Infelizmente, foi a primeira e última vez que entrevistei Caetano. Minha carreira tomou um rumo diferente, onde entrevistas com poetas ficaram raras. Até porque, para os telejornais diários, entrevistas assim se tornaram descartáveis. Caetano e outros ficaram restritos aos programas de fofocas. É uma pena. Doses diárias de Caetano fariam bem para todo mundo. Gostaria muito de entrevista-lo novamente. Talvez, até,  para repetir as mesmas perguntas inocentes daquela época. 

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A segunda é sempre melhor

Um dia depois da 'entrevista' com o governador mineiro, lá estava eu na redação, por volta das cinco da tarde, esperando a pauta do dia. Ou melhor, da noite, já que o horário noturno normalmente é reservado aos 'focas', como são chamados os iniciantes da profissão. Desta vez nem foi preciso recomendações. A pauta era simples: uma exposição de peças encontradas em antigas aldeias indígenas da região. Por coincidência, de novo em Pouso Alegre. Como todo cabaço que se preza, judiei do cinegrafista. Pedi que fizesse imagens de quase todas as peças. E preparei um texto antológico, que daria uma reportagem de uns oito minutos, analisando o passado, presente e futuro das comunidades indígenas no Brasil. Além de suas intrínsecas relações com o artesanato. A coordenadora da exposição estava animada, talvez prevendo que, dado o entusiasmo do repórter, aquela matéria seria destaque no Fantástico ou Jornal Nacional. Sei que ficamos quase quatro horas gravando. O balde de água fria veio logo na saida, quando o cinegrafista, naturalmente emputecido, resmungou com o auxiliar: 'quatro horas de gravação para uma materinha que vai render 30 segundos no jornal'.
- 'Como assim ?', perguntei. 'você não percebeu que existe uma história incrível por trás de todo aquele artesanato ?'
Ele foi objetivo, prático e demolidor:
- 'Raul, em televisão você não conta história mostrando pecinhas de barro. Você conta mostrando e entrevistando personagens'.  E arrematou, meio que ignorando meus argumentos: 'vamos passar em algum restaurante para comer, porque vamos chegar em Varginha só de madrugada.'
Seguimos em silêncio no carro até um restaurante que, se não me falha a memória, se chamava Degrau. Naquela altura do campeonato, havia poucos clientes ali. E foi impossível ignorar o furdúncio numa mesa dos fundos. Pelo barulho, gargalhadas e, principalmente, pela aparência das figuras. Na mesa, além de várias outras pessoas, estavam Baby Consuelo e Thomaz Green Morton. Ela, uma das maiores cantoras brasileiras, totalmente sem pecado e sem juízo, tinha acabado de se separar de Pepeu Gomes. E Thomaz estava no auge. Era conhecido em todo o Brasil e até no exterior como um paranormal capaz de produzir luzes, entortar talheres e fazer perfume brotar das mãos. Estes poderes misteriosos teriam surgido depois dele ter sido atingido por um raio enquanto pescava. O guru do 'rá' atraía uma legião de seguidores para seu sítio, em Pouso Alegre. Inclusive personalidades como Elba Ramalho, Ivo Pitanguy e Gal Costa. Na época, Thomaz cobrava até 20 mil dólares para supostos tratamentos de energização. Realmente, era um cara muito estranho aquele Thomaz. Usava barba e cabelos compridos, vestia uma bata colorida e tinha, bem no meio da testa, uma protuberância meio azulada, que ele dizia ser o 'terceiro olho'. O fato é que, naquela noite, ele e Baby estavam chapados. Já tinham bebido rios de cerveja e whisky. Me lembro que era mês de dezembro. Então pensei: 'vou entrevistar o Thomaz e pedir pra ele fazer algumas previsões para o ano que vem'. Seria perfeito! Quando disse isso ao cinegrafista, ele quis morrer. Já tinha trabalhado mais do que o suficiente para uma simples exposição e agora teria que interromper o jantar pra gravar com um guru ?? Não mesmo! Amigos de bar, deu o que fazer pra convencê-lo. Na verdade, tive que pagar a metade da conta. E lá fui eu para a mesa de Thomaz e Baby. Quando cheguei fui direto pra ele:
"- Olá, Thomaz, tudo bem ? Meu nome é Raul, sou repórter da TV Sul de Minas e gostaria de gravar uma entrevista, pra que você faça algumas previsoes para o ano que vem...'
Ele olhou demoradamente em meus olhos, muito sério. De repente estendeu a mão direita espalmada em minha direção e gritou pra Pouso Alegre inteira ouvir:
'- Ráááááááááááááááá!!!!!!!!!!!!'
Juro que quase caí de costas com o susto que levei. Ainda mais que a mesa inteira, Baby inclusive, acompanharam o guru no grito e repetiram, todos com a mão espalmada em minha direção:
-'Rááááááááááááááá!!!!!!'
Eu ergui a mão e respondi, num sussurro:
- 'rá...'
Foi bom porque quebrou o gelo. Thomaz deu uma gargalhada e puxou uma cadeira pra eu sentar. Aí ficou meia hora falando. Disse que não poderia gravar entrevista porque tinha um contrato exclusivo com uma emissora suíça e tambem porque as previsões que ele tinha eram bombásticas demais e iriam assustar o mundo. Enfim, uma historia sem pé nem cabeça mas que deixaram aquele jovem repórter impressionadíssimo. Ainda tentei convencê-lo, mas não teve jeito. Foi então que o proprio Thomaz sugeriu:
'- Porque você não grava com minha amiga Baby ? Ela acabou de se separar, está gravando um novo disco e tem muita coisa pra falar.'
Me virei pra Baby e falei:
- 'Ok ? Pode ser ? Você grava comigo ?
- Claro! Vamulá!!! Arma o circo ali e me chama quando estiver pronto.'
A equipe, que ainda estava terminando o jantar, ficou irada, claro. Tiveram que buscar câmera, iluminação, microfones, vt, enfim, uma parafernália de equipamentos. Mas depois de tudo pronto, gravei uma senhora entrevista com Baby. Ela falou sobre o começo da carreira, da formação do grupo 'Novos Baianos', do fim do casamento com Pepeu, da fase cósmica e telúrica, dos filhos (estava grávida na epoca) e da música popular brasileira. Quando me despedi, já de madrugada, Thomaz Green Morton se virou novamente pra mim e repetiu:
'-Rááááááááááááááá....uuuuul!!'
Todos deram risadas, agradeci novamente e pegamos estrada. Depois, fiquei uma semana com o corpo todo impregnado por um perfume adocicado que ele, sei lá como, exalou sobre mim. No dia seguinte, como o cinegrafista tinha previsto, a matéria sobre a exposição foi exibida com exatos 30 segundos de duração. Já a entrevista com Baby mereceu uma edição especial e foi ao ar no telejornal de sábado, com quase seis minutos de duração. Como não tinha feito nenhum contraplano, não apareceu nenhuma pergunta minha. (O contraplano é quando o reporter, depois da entrevista, repete todas as perguntas de frente para a câmera. É um recurso usado quando gravamos com apenas um cinegrafista. Depois, na edição, fica parecendo que a entrevista foi gravada com duas câmeras). Mas no final da entrevista apareceu o crédito 'reportagem - Raul Dias Filho'. E ainda recebi muitos elogios da diretoria de jornalismo por ter tido a iniciativa de fazer uma matéria que não estava na pauta. Foi uma sensação extraordinária. Que se repetiria, dias depois, ao gravar com um dos maiores nomes da história da MPB. O primeiro grande 'furo' da minha carreira. E totalmente casual. Mas isto, eu conto depois.

Alguns anos depois desta entrevista, Baby Consuelo, nascida Bernadete Dinorah de Carvalho Cidade, passou a assinar Baby do Brasil. Ela teve seis filhos (Sarah Sheeva, Zabelê, Nãnashara, Pedro Baby, Krishna Baby e Kriptus Rá Baby) e hoje se define como 'popstora'. É popstar e pastora do "Ministério do Espírito Santo de Deus em Nome de Jesus", fundado por ela mesma.

Thomaz Green Morton foi desmascarado, em rede nacional, através de uma reportagem exibida no Fantástico. Mas até hoje ele mantem admiradores que acreditam piamente em seus poderes. Thomaz está milionário e se dedica, atualmente, a plantar milhares de bananeiras no sítio que ainda possui em Pouso Alegre, além de entortar alguns talheres de vez em quando.





segunda-feira, 26 de abril de 2010

A primeira vez a gente nunca esquece

Desde que me entendo por jornalista profissional,  sempre trabalhei em televisão. Cheguei a escrever, durante algum tempo, materias para uma revista do interior paulista. Fazia reportagens para o programa e , ao mesmo tempo, escrevia para a  revista. Aliás, o impresso foi minha primeira ambição no jornalismo. Sonhava escrever num grande jornal e, quem sabe, até publicar um livro. O caminho foi desviado por acaso. Em 1988, João Nicolau Torres, que desde sempre deu aulas de jornalismo, amigo de longa data e jornalista de altíssimo gabarito, me apresentou à televisão em Varginha, no sul de Minas. O que deveria ser uma visita despretensiosa se tranformou num convite inesperado e, de repente, lá estava eu realizando o sonho de minha vida: trabalhar numa redação. Era radio-escuta, uma função que, infelizmente, parece ter sido engolida pela instantaneidade da Internet. O radio-escuta era o primeiro a chegar na redação. A ele cabia fazer a ronda (ligar para polícia, bombeiros, hospitais, prefeituras, etc) e filtrar o que poderia se transformar em pauta. Acho que fiquei dois meses como rádio-escuta. Num belo dia um repórter ficou doente, outro não apareceu para trabalhar, outro estava de licença, outro não foi localizado e só sobrou, adivinha quem ? o radio-escuta. O então chefe de reportagem, Paulo Brasileiro, me segurou pelo ombro e disse:
- Raulzão, amanhã é com você. Vai lá em Pouso Alegre e faça uma boa entrevista com o Newtão.
- Beleza! Quem é o Newtão ?
Ele coçou a cabeça e disse:
- Newton Cardoso, pô! Governador de Minas. Conhece não ?
Conhecia sim. E, talvez por isso, comecei a tremer ali mesmo. Mal dormi naquela noite. Mas me preparei como pude. Naquele tempo o santo Google ainda não havia sido concebido. Para pesquisar era preciso fazer telefonemas, fuçar em arquivos empoeirados de jornais, enfim, era bem diferente de teclar algumas palavras e esperar os resultados. Fiz o que pude. Liguei para alguns amigos e políticos, pesquisei e preparei três perguntas infalíveis e demolidoras para o governador. Nao precisava mais do que isso. Três perguntas desconcertantes e o mundo todo estaria comentando sobre aquele reporter topetudo e atrevido que tinha desancado o governador truculento e carrancudo. Foi esse o sonho que sonhei naquela noite. No dia seguinte, lá fomos nós rumo a Pouso Alegre, cidade que tinha a honra duvidosa de receber Newtão. Cabaço que era, imaginava que seria uma entrevista exclusiva, só eu e o governador. Que nada. Quando chegamos, havia dezenas de repórteres, a maioria de rádios da região, esperando por Newton Cardoso. Hoje sei como trabalha e funciona uma boa assessoria política. Quando um governador visita determinada região, já sabe de cor quais assuntos serão abordados, quais repórteres deve privilegiar, quais deve evitar e, principalmente, para qual câmera de televisão deve direcionar o olhar. Mas é claro que naquele dia isso nem me passava pela cabeça. Por isso estranhei quando o assessor de imprensa do governador me procurou. O diálogo foi mais ou menos assim:
- Olá, tudo bem ? Sou o assessor do governador Newton Cardoso. Qual o seu nome ?
- Raul
- Raul de quê ?
- Raul Dias Filho.
- Ok. Olha, Raul, o governador vai chegar em poucos minutos. Onde você acha melhor fazer a entrevista ?
- Eu acho que... bem.... deixa eu ver.... não é melhor perguntar para os outros tambem ? Pode ser aqui mesmo ?
- Claro, claro. Então eu vou colocar ele aqui e você pode comandar a coletiva, tá bão ?
- Tá.
Esse 'tá' saiu tão baixo que ele nem deve ter ouvido. Até porque minha vontade era falar outra coisa, tipos 'comandar a coletiva ?? como assim, cara pálida ? não entende que essa é minha primeira entrevista, logo não tenho experiencia nem capacidade para comandar nada, ainda mais com esse monte de gente em volta ?' Mas nisso o governador já estava chegando. Veio direto em minha direção, sorrindo, e me cumprimentou:
- 'Olá, Raul, tudo bem ? Tenho acompanhado seu trabalho, garoto! Parabéns! Continue assim.'
Puxa vida! O governador me conhecia! Me achei, claro! Naquele momento avaliei até a possibilidade de me candidatar a vereador em Cabo Verde. Mas de onde, afinal, ele me conhecia, se aquela era minha primeira vez com o microfone na mão ? E tudo se clareou. Era isso, pô! O bendito microfone tinha o logotipo da Globo. Eu estava segurando o microfone mais cobiçado pelos políticos brasileiros na época. Por isso estava sendo bajulado. Cair na real demorou poucos segundos. Tempo suficiente para uma inquietação geral. Todos me olhavam, inclusive o governador, esperando pela primeira pergunta. Mas como era a primeira vez, podia deixar que outro repórter abrisse a coletiva. Me virei para um colega do lado e disse: 'Tudo bem,  pode começar.' Ele não pensou duas vezes e lascou exatamente uma das perguntas que eu tinha preparado. Atônito, tentei reagir, mas um foca sofre demais numa coletiva. Ali, decididamente, não é lugar para etiqueta. Você tem que atropelar o cara que está ao seu lado. Perguntar na frente. Mas não estava nem um pouco preparado para isso. E o repórter fez outra das minhas três perguntas. Já muito emputecido e um pouco desesperado, tentei reagir, mas uma repórter baixinha e atrevida saiu na frente e fez a pergunta arrasadora e 'derruba governador' que eu tinha planejado. Newtão não se abalou. Respondeu na boa, olhando o tempo todo para a câmera do meu cinegrafista. E toda hora que terminava uma resposta, olhava para mim, como se dissesse 'vai meu filho, estou esperando sua pergunta!'. Minha mão suava e tremia. Não fiz uma única pergunta. De volta à redação, a editora me fuzilou:
- Raul, não acredito que você gravou duas fitas e não fez nenhuma pergunta ao governador.
- Não... eu até tentei, mas não deu tempo...
- E o que é aquilo ? Você estava com frio ? O microfone tremia o tempo todo!
- Tremia ?
- Tremia.
- É... Tava um frio danado lá.
A entrevista foi exibida. Afinal, como Newtão tinha olhado o tempo todo para nossa câmera, tudo bem. Com um texto gravado pelo apresentador do jornal dando a deixa para algumas falas, a entrevista foi ao ar. Nenhuma das perguntas que eu tinha imaginado, e que foram feitas por outros reporteres, foi exibida. Muito menos as respostas. Nao interessava para a emissora. Muito menos para o governo. Os telespectadores ? Ara, que bobagem! Era um jogo de cartas marcadas. Mas eu não sabia disso. E fiquei com a terrivel  sensação de ter feito a escolha errada.  Minha primeira entrevista tinha sido um fracasso.

Minha segunda entrevista aconteceu um dia depois. Por coincidencia, de novo em Pouso Alegre. E, de novo, com uma figura desconcertante. Logo eu conto como foi.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

Um certo Jacinto

Outro dia fiz uma reportagem sobre moradores de rua. Aliás, pra ser justo, peguei carona num brilhante trabalho de garimpagem feito pelo produtor Lúmi Zúnica. Ele se disfarçou de mendigo e descobriu que contrabandistas estavam usando os moradores de rua para lavar dinheiro. Usavam, na verdade, a identidade dos mendigos para trocar dólares por reais ou enviar dinheiro para o exterior. E Zúnica viveu entre eles durante três semanas. Nesse tempo, descobriu muita coisa, além da pilantragem dos contrabandistas. Encontrou e conheceu pessoas que jamais imaginamos morar nas ruas. Ele me contou sobre um certo 'Jacinto' que conheceu no abrigo. O cara falava fluentemente português, inglês, italiano, espanhol, árabe e até alguns dialetos indígenas. Conhecia a amazônia brasileira, peruana, venezuelana e colombiana, além de paises europeus e asiáticos. Disse que conheceu e foi amigo de Negro Acácio, um dos comandantes das Farc's (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Jacinto tem brevê de aviador. Contou que era dono de um Cessna 210. E que ele mesmo, e só ele, pilotava o avião. Zúnica me contou que, numa das conversas que tiveram, Jacinto falou com propriedade sobre as Cruzadas, a inquisição, a vida monástica de Santo Antão e tambem sobre os grandes homens da humanidade, como Sakyamuni ou Siddhartha Gautama, o primeiro Buda. Esse cara, o Jacinto, que sabe tanto da vida e de tantas outras coisas, vive nas ruas de São Paulo. O que o terá arrastado pra lá ? Zúnica não sabe. Jacinto se recusou a falar sobre isso. Mas ele deve ter sofrido um golpe e tanto. Como todos os outros treze mil que vivem nas mesmas condições em São Paulo. Treze mil! É como se toda a população de uma cidade como Cabo Verde, por exemplo, vivesse nas ruas. E existem muitos 'Jacintos' entre eles. Como um ex-lutador de vale-tudo que já ganhou milhares de dolares nos ringues. Ou um marroquino formado em Artes na USP. Pessoas que foram de tal forma espancados pela vida que preferiram se deitar na vala comum dos marginalizados. Preferiram o anonimato das ruas. Não têm mais nome, nem rosto, nem passado. Passam por nós como se fossem sombras. Daquilo que já foram um dia. Nem sonhar, sonham. Zúnica me disse os quartos dos abrigos da prefeitura são divididos por até 80 pessoas por noite. E que é dificil dormir, por causa dos gemidos e lamentos. O sono dos moradores de rua é povoado por pesadelos. Até as boas lembranças são cruéis, porque evocam pessoas e situações que, provavelmente, nunca mais farão parte da vida deles. Talvez seja por isso que vagam sem destino. Porque perderam a mola mestra da vida. Aquilo que costumamos chamar de esperança.

A reportagem sobre o esquema criminoso que usava moradores de rua como laranjas está logo abaixo. Espero que gostem.

                                        

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Certas crônicas que leio...

Sabe aquela música de Milton Nascimento ?

"Certas canções que ouço
Cabem tão dentro de mim
Que perguntar carece:
"Como não fui eu que fiz?!"

Pois assim como o genial Milton, tambem sou assaltado, vez por outra, por uma sensação parecida. Não em relação à alguma música, claro, até porque canto mal toda vida. Acontece quando vejo uma reportagem que gostaria de ter feito. Ou um texto que gostaria de ter escrito. Não tem nada a ver com inveja. Nem frustração. É simplesmente admiração por aquilo que outros conseguem traduzir de uma forma diferente. E, muitas vezes, melhor do que a gente. Então! Depois de escrever o último post, sobre pedofilia na igreja, fui apresentado à uma crônica sobre o mesmo assunto, assinada pelo inigualável Luis Fernando Verissimo. Gostaria de tê-la escrito, tambem. E, humildemente, a repasso a vocês. Deleitem-se.

O último círculo

Por Luis Fernando Verissimo - O Estado de S.Paulo

Certos fatos são como os círculos concêntricos que se formam quando a proverbial pedra cai no proverbial lago. Têm um significado imediato e têm as conotações que se alastram, com significados cada vez maiores. Essa questão dos padres pedófilos, por exemplo. No seu centro há o drama individual de um homem e sua compulsão doentia, e das suas vítimas. O significado seguinte é o da condição antinatural do homem, obrigado ao celibato ou condenado à hipocrisia, que se vale da presunção de inocência que o voto de castidade lhe dá para praticar seu vício. Outro significado maior é o do poder que a religião tem sobre seus fiéis, para o bem ou para o mal, expressa na imagem do pastor guiando seu rebanho, mas sem nenhuma garantia do caráter do pastor. E se você quiser continuar seguindo estes círculos sucessivos de implicações fatalmente chegará à neurose sobre o sexo que está na base de toda ideia de clausura e renúncia às tentações da carne, e - o círculo seguinte - na base da nossa civilização. A demonização do sexo e a misoginia são constantes da cultura judaico-cristã e o islamismo não fica atrás, com suas regras de abstinência e sua sonegação à vista pública de qualquer parte do corpo feminino. O celibato protege o padre do contágio do mal pelo contato com a mulher, descendente de Eva, a primeira desencaminhadora. Os padres pedófilos, com sua preferência por meninos, poderiam muito bem alegar que sucumbiram a demônios menores. O último dos círculos irradiados tem a ver com a Igreja e seus costumes, como a demora em reconhecer seus erros. Entre o acobertamento e a omissão, a hierarquia da Igreja tem muito a ver com os crimes praticados por seus sacerdotes, que destruíram a vida de tanta gente. Mas nada disto afetará sua majestade. Ela sobreviveu à Inquisição, à perseguição aos judeus, à resistência obscurantista a todas as revelações da Ciência e à cumplicidade com tiranos, e pediu desculpas. Ainda hoje dita o comportamento sexual de milhões de pessoas, apesar da sua posição retrógrada na questão dos anticoncepcionais, mas um dia pedirá desculpas por isto também. E pela sua responsabilidade nas vidas destruídas. O que é eterno não precisa ter pressa.

fonte O ESTADO DE S PAULO

Para aqueles que bebem Milton, nada melhor do que uma certa canção com certas imagens da eterna fonte de onde só brota poesia.

 

terça-feira, 6 de abril de 2010

O sexo dos anjos

Tempos atrás, fiz reportagens sobre pedofilia em duas cidades amazonenses. Em Tefé o acusado era um juiz. Em Coari, um prefeito. Esta semana trabalhei em outros casos, que envolvem padres e crianças. Qual a diferença entre elas ? Apenas o disfarce usado pelos pedófilos. Enquanto um se esconde atrás de uma toga, outro usa paletó e gravata. E os ultimos, batinas. Em comum, o fato de se aproveitarem de cargos, posições e circunstâncias para roubar a infância de inocentes e abalar a estrutura de muitas famílias. Um tipo de crime que, quando cometido por um padre, adquire outra dimensão. Quando alguem escolhe uma religião, imediatamente cria, mesmo inconscientemente, uma relação de dependência espiritual com aqueles que dirigem a igreja. Sejam eles padres, pastores ou rabinos. O caráter dessas pessoas nunca é colocado em dúvida e elas acabam se tornando, para a família, modelos de comportamento. E conquistam a confiança dos pais. Quando esta confiança é traída de uma maneira tão mesquinha e perversa, o mundo, para estes pais, desaba. O depoimento da mãe de um menino de Rio Claro, abusado por um padre que dirigia um colégio claretiano, está entre os mais comoventes que já gravei. Uma coisa é ver esse depoimento na tv, com a mãe escondida por uma penumbra e com a voz distorcida. Recursos usados para preservar a identidade da mãe e, principalmente, da criança. Outra coisa é estar frente a frente, olhando nos olhos, percebendo as lágrimas que rolam a todo instante, as pausas na fala, o soluço incontido, enfim, imaginar a dor que um coração de mãe consegue suportar. Em um determinado trecho que não foi ao ar, ela me explicou como percebeu os sinais enviados pelo filho, que tinha nove anos de idade. Alguns foram literalmente descritos através de desenhos, feitos no caderninho da escola. Ela contou que "os desenhos dele eram sempre matando, sempre passando a faca no pescoço de alguém, sempre tinha gotas de sangue. E um determinado desenho me chamou a atenção... ele fez um cavaleiro com um revólver na mão e o revólver apontava para o pênis do homem deitado no chão. As balas saíam do revólver e batiam ali..." Não consigo imaginar a dor, a revolta e a indignação dos pais ao ouvir algo assim. E ao descobrir que os agressores são justamente aqueles que deveriam oferecer proteção e afeto aos seus filhos. Quem consegue ficar indiferente ? O alto clero da igreja católica ficou. A mesma mãe de Rio Claro me disse que jamais foi procurada por alguem da igreja catolica ou do colégio claretiano: "nunca perguntaram se nós estávamos precisando de ajuda, se as crianças estavam precisando de ajuda, como estava o psicológico... O que fizeram na época foi escrever uma matéria nos chamando de mentes insanas, de mulheres loucas, de psicopatas. Acobertaram." Durante anos, ou séculos, foi esta mesma cumplicidade, a do silêncio permissivo, que permitiu que criminosos de batina abusassem de crianças. Um padre condenado a 16 anos de prisão por pedofilia, em duas instâncias, ainda está nas fileiras da igreja. Ainda ostenta o título de padre. E ainda pode destruir a vida de outros inocentes. Entre dogmas que remetem à pré-história e a proteção incondicional a seus sacerdotes, a igreja católica continua pecando pelo acobertamento, omissão e conivência. O preço, um dia, será cobrado.

As fotos que ilustram este post não foram escolhidas por acaso. Elas foram tiradas numa vila do Iemen. Eu e Henry Ajl estavamos caminhando por uma viela quando encontramos um grupo de crianças. Henry parou para fazer imagens e, logo depois, um menino surgiu conduzindo um jumento. Ele ficou tão encantado com a câmera de Henry que parou ali por longos minutos. O pai dele o chamava insistentemente para seguirem em frente e o menino nem ouvia. O olhar de encantamento dele me encantou tambem. Transmite inocência, pureza, fragilidade. Tudo aquilo que, imagino, os anjos tambem carregam no olhar.   

A reportagem completa, exibida pelo Domingo Espetacular, mostra outros casos, além de Franca e Rio Claro. Para assistir, basta clicar no vídeo abaixo:  

                                        

sábado, 27 de março de 2010

O julgamento. E o pré-julgamento.


Por enquanto, breves comentários sobre o julgamento do casal Nardoni. Acompanhei os momentos finais, do lado de fora do Fórum, e fiquei surpreso, pra não dizer assustado, com o circo. O que houve, pós-julgamento, foi surreal. Parecia final de copa do mundo. Foguetório, buzinaço, gritaria e tentativa de linchamento. Foi o que aconteceu quando dezenas de pessoas cercaram as viaturas que conduziam Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá para a prisão. Por azar, uma das viaturas 'morreu' bem no meio da multidão. Algumas pessoas avançaram com paus e pedras em cima dos carros. Uma barbárie que define bem o grau de histeria que deu o tom neste julgamento. Definido, em certa escala, pela atuação leviana e tendenciosa de parte da imprensa. Não estou dizendo que a sentença do juri popular tenha sido equivocada. Mas me parece claro que muitos 'colegas' ainda não aprenderam a lição que casos como o da Escola Base, por exemplo, deveriam ter ensinado. É extremamente perigoso quando pseudo-jornalistas se travestem de juizes, em busca da audiência fácil, para promover espetáculos constrangedores em frente às câmeras, avaliando, julgando e condenando pessoas, antes que a própria justiça o faça. Se, na madrugada de sábado, o casal tivesse sido absolvido, não tenho dúvidas de que a multidão enlouquecida teria invadido e depredado o prédio do Fórum. E teria feito o mesmo com as casas dos parentes do casal. O pré-julgamento feito por alguns colegas foi tão condenatório que os sobrenomes 'Jatobá' e 'Nardoni' se tornaram pejorativos, quase sinônimos de criminosos. Sinto uma pena enorme das duas crianças do casal, que carregarão, talvez para sempre, o peso injusto de trazerem com eles sobrenomes condenados pela midia. Em relação ao julgamento, em si, um massacre. A acusação engoliu a defesa. Não restou pedra sobre pedra.

A reportagem que mostra os bastidores do julgamento que condenou os Nardonis está disponibilizada abaixo:

quarta-feira, 24 de março de 2010

You're the Jury - Guilty or Not Guilty?

Estive essa semana no Forum de Santana, onde o casal Nardoni está sendo julgado. Do lado de fora, um circo. Com direito a personagens bizarros, que encontraram ali a oportunidade de ter os seus sagrados 15 segundos de fama. Um cara se amarra a uma cruz cheia de fotos. Outro se veste numa fantasia de gari e diz que é Osama Bin Laden. E grupos que carregam faixas e cartazes onde a palavra 'justiça' aparece insistentemente, se revezam, claro, nos gritos compassados de 'jus-ti-ça!!'. Afora isso, reporteres, produtores e cinegrafistas cumprimos o ritual da cobertura minuto a minuto, sabendo de antemão que nada bombástico vai acontecer ali embaixo. O que resta, para quem entra ao vivo, é ecoar o que acontece no Tribunal, onde sete pessoas estão sendo convencidas a tomar uma decisão. E é neste cenário, olhando tudo, vendo as pessoas, os cartazes, a mobilização, que me convenço cada vez mais de que não gostaria de estar na pele de um jurado. Em nenhuma circunstância. Nem num concurso de beleza. Quanto mais numa ocasião dessas, quando os réus já entram no tribunal condenados pela opinião pública. E, acredito, até pelos jurados. Porque essas sete pessoas, quatro mulheres e três homens, já tinham lido, visto e ouvido o suficiente para formar uma opinião sobre esse assunto. Duvido que nenhum deles tenha escutado, antes de sair de casa para o forum, o conselho vindo da mãe, do pai, do marido ou de quem quer que seja: "veja lá o que vai fazer, hein ? O Brasil inteiro vai te cobrar depois". Haja pressão! Deve até existir aquele diabinho que fica em volta da cabeça deles gritando assim: "Olhem e apontem! Joguem a primeira pedra ou se calem para sempre! Respondam agora: culpados ou inocentes ??" A sensação não deve ser nada boa. Deve ser igual aquela que nos assalta em determinados momentos da vida, quando você sabe que está no lugar errado, na hora errada. A pergunta fatal é: 'ai, ai, ai... o que estou fazendo aqui..?' Porque, me digam, será que é possível afirmar, sem nenhuma sombra de dúvida, depois de ouvir todos os argumentos de acusação e defesa, que o casal é culpado ? Ou que é inocente ? Será que peritos, especialistas, laudos e documentos respondem todas as dúvidas ? Esclarecem tudo na cabeça de uma pessoa ? Talvez. E é justamente esse 'talvez' que pega. Essa bendita, ou maldita, palavrinha, que está no centro da questão. Porque o 'talvez' não pode condenar. Não pode haver 'achismos' em uma condenação. Ela deve se amparar em uma convicção. É a certeza que condena. Por outro lado, a dúvida pode, e deve, inocentar. Não, eu não queria mesmo estar na pele destes jurados. Até porque, eles devem saber, pior que inocentar um criminoso, é condenar um inocente.

sábado, 13 de março de 2010

Paisagens do Atacama

A foto ao lado,  sem nenhuma       'sujeira' por cima,        provocou a curiosidade de alguns amigos de bar e de blog. É a mesma foto que, desde alguns dias, abre o blog. Agora, na boa, vamos concordar que ela é realmente instigante. O tipo de imagem que faz os olhos percorrerem todos os cantos da foto. E coloca o homem em sua real dimensão diante da natureza. Por isso, alguns perguntaram do lugar. Outros, da autoria. Esclareço. O autor da belíssima foto é meu amigo Jaime Borquez, que você pode conhecer melhor acessando o post  'Raices de América', um pouco abaixo na página. A foto foi tirada durante uma de nossas viagens pelo Chile. O lugar é o deserto do Atacama. Acho que Jaime conseguiu, nesta foto, mostrar como um lugar pode ser remoto, hostil e, ao mesmo tempo, fascinante e encantador. Ah, esta foto foi capa dupla do caderno de turismo do 'Estadão' e tambem abriu uma matéria sobre o Atacama, de minha autoria, numa revista do interior paulista que versa sobre meio ambiente.

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Aproveito para postar esta outra foto, tirada no mesmo lugar, de outro ângulo. Lembra uma paisagem lunar e tambem retrata a aridez do Atacama, considerado, através de medições científicas, o lugar mais seco do planeta. Me recordo que, no segundo dia, os lábios já estavam feridos. Respirar no Atacama é um exercício doloroso. O nariz chega a sangrar, por causa das feridas provocadas pelo ar rarefeito.  Mas nada disso consegue superar a beleza diferente do lugar. A postagem das fotos é uma homenagem a Jaime Borquez, amigo raro que mantem o bom humor mesmo em situações como a de agora, quando o Chile insiste em tremer sob seus pés. 

Qatar - Série das Arábias - Última parte

Durante os poucos dias que ficamos no Qatar, corremos atrás de assuntos e temas que pudessem se transformar em reportagens atrativas e interessantes para os olhos e olhares brasileiros. Como sempre tive curiosidade por saber como vivem os brasileiros fora do Brasil, imaginei que esse seria um bom tema e lá fomos nós atrás de conterrâneos. A primeira brasileira eu encontrei por acaso. Estavamos visitando a Cidade da Educação, um mega-campus universitário, e perguntei ao guia de uma das universidades se ali havia estudantes brasileiros. Ele me disse que sim, havia uma garota brasileira. O contato foi feito e no dia seguinte conhecemos Camila, uma jovem carioca que estuda na Northwestern University, uma das mais conceituadas faculdades de jornalismo dos Estados Unidos. E que agora tem uma base avançada no Qatar. Camila faz parte da primeira turma de jornalismo. Ela é filha de um ex-piloto da Varig que trabalha atualmente na Qatar Airwais. E foi através de Camila que conhecemos Nany e Fadia, duas outras brasileiras que tambem vivem lá. Nany é carioca. Esposa de um piloto de aviões, vive com o marido e o filho num condomínio, nos arredores de Doha. Fadia, na verdade, é libanesa. Mas veio para o Brasil ainda criança e viveu aqui até completar vinte anos. Casada com um libanês, tem um filho nascido no Brasil. Que fala fluentemente árabe, inglês e francês. Mas somente arranha algumas palavras em português. Situação nem tão estranha assim numa terra onde vivem tantos estrangeiros. E estas famílias, que nos receberam tão bem, num gesto de extrema cortesia, ainda nos convidaram para acompanha-los num passeio à praia. Claro que aceitamos, porque seria perfeito para completar a reportagem. Claro tambem que não dá pra mostrar tudo numa só reportagem. E o que não dá, eu conto aqui.
Por exemplo, a praia onde fomos é frequentada quase que somente por estrangeiros. Onde os homens usam sungas e as mulheres, biquinis. O que não é muito tolerado pelos muçulmanos. Mas óbvio que isso mexe, e como mexe, com a imaginação dos adolescentes muçulmanos. E enquanto elas estavam na praia, de biquinis, fazendo o churrasco, conversando e ouvindo música, foi um auê. Durante quase todo o tempo, vários jovens qataris  ficaram passando de motocicleta a cerca de duzentos metros de onde estavamos. E todos esticavam muito o pescoço para ver as mulheres de biquini. Cenas comuns para nós, brasileiros, mas que, provavelmente,  fazem ferver o sangue destes garotos.

Enquanto estávamos gravando fomos abordados por este homem, um iraquiano que trabalhava numa casa ao lado. Ele veio nos dizer que era proibido fazer imagens da casa, porque era propriedade particular. E o dono era um Sheikh influente do Qatar. Como ele foi bastante incisivo, e aparentava estar armado, direcionamos nossa câmera, e nossa atenção, somente para o mar e para a praia.

A última reportagem da série você pode assistir clicando abaixo:

                                        

Bem, além das reportagens postadas aqui, tentei dividir com vocês um pouco dos bastidores da viagem. Curiosidades que nem sempre são abordadas nas matérias, as vezes por falta de tempo, outras pelo critério dos editores, mas que sempre rendem boas prosas. Então, amigos de bar, espero que tenham gostado. Aquele abraço. E até a próxima.