sexta-feira, 27 de julho de 2012

O amor de Lélia


Lélia e Ricardo eram mais que marido e mulher. Eram parceiros, amigos e cúmplices. Em todos os lugares e  situações. Lélia e Ricardo viveram uma linda história de amor. Ela me contou como se conheceram e como viviam. O depoimento foi comovente. Sei que, para ela, foi mais um desabafo que uma entrevista. Lélia chorou durante o tempo todo. Reproduzo abaixo alguns trechos. Eles falam, basicamente, de amor, entrega e paixão.    


"A gente se conheceu em 99, numa agencia de publicidade. Ele era atendimento e eu era criadora. Ficamos cinco anos como amigos e cinco anos afastados. Cinco anos depois a gente se reencontrou num almoço de ex-funcionários da agencia. Começamos a sair como amigos e depois grudamos para nunca mais se afastar. Fazia nove anos que estavamos juntos. Quatro anos casados."

"Ele tinha uma sede de fazer tudo intensamente com uma paixão avassaladora. No primeiro ano de namoro até meus pais ficaram assustados, porque ele morava em Alphaville e eu morava no Alto da Lapa. E de segunda a segunda, nos 365 dias de 2003, ele veio me ver todos os dias. Todos os dias! As vezes eu estava no cabeleireiro e ele ligava e dizia, vou passar aí pra te ver. Passava, me dava um beijo e ia embora. E no dia seguinte, onde quer que eu estivesse, ele aparecia pra me ver de novo. Foi muito, muito intenso."

"Um homem completamente apaixonado. Um amor que continua e nunca vai morrer. Uma paixão pela vida, uma paixão por mim, uma sintonia de fidelidade que as vezes eu até falava: tenho medo até de inveja. Porque é tão intenso, tão puro... A gente falava tudo, sobre todos os assuntos, planejava tudo junto...Eramos amigos, amantes, um amor que nunca vi igual... Meu amigo, meu melhor amigo, meu amor..."


"Ele era tudo. Amava cozinha. Trabalhou em restaurantes, fez curso de formação de chef e ganhou o premio de melhor aluno. Ganhou tambem estágio no Alex Atalla. Era pra ficar um mês e ficou quase um ano. Ninguem queria que ele saísse. Estudou, fez faculdade e foi pra publicidade. Gostava de escalar. Um ano de namoro e ele me levou pra escalada. Fez mergulho e me levou pra mergulhar. Nossa última viagem foi pra Fernando de Noronha e ele em fez mergulhar todos os dias. Tinha medo e consegui superar. Hoje amo mergulhar. Graças a ele..."

"Esse apartamento a gente construiu junto. Fez tudo junto. Ele que descobriu esse apartamento. A gente tava a três dias de casar e não tinha apartamento. No fim ele conseguiu sozinho.E compramos tudo juntos. 
Nesses quatro anos estamos pagando o apartamento e comprando a cada mês um móvel para colocar aqui. Deu tudo certo e bem agora a gente encomendou o último móvel. O marceneiro tá pra entregar. Mas ele não estará aqui pra gente combinar onde vai ficar melhor..." 

"Ele sempre falava pra eu ter cuidado na hora de estacionar, sempre me dando conselho, me protegendo. E ao mesmo tempo, sempre me falando, todos esses anos juntos, ele falava assim: voce tem que aprender a viver sem mim, voce tem que aprender a ser mais independente. Eu falava: eu sou independente, mas a gente é casado. Ele: claro, mas voce tem que aprender a fazer as coisas sozinha também. Parecia que ele sabia que estava para partir. De uns tempos pra cá ele começou a encontrar mais as pessoas, foi em todas as festas, reencontrou amigos que ele não via faz tempo. Nos últimos dias ele tava mais nervoso. Na quarta ele falou que ele não tava muito bem. Tava melancólico.E um amigo dele perguntou, ainda na quarta (dia em que foi morto): Ricardo, porque voce tá assim hoje ? Nunca te vi assim, cara. O que tá acontecendo ? Ele disse: eu não sei. Ele até fez um movimento e disse: sabe um caminhãozinho que tem todas as pedrinhas na caçamba? Hoje caiu minha ultima pedrinha. Eu tô me sentindo com um vazio tão grande..."

"Ele tinha 39 anos, um mês e uma semana. E falou pra mim: eu quero ser pai antes dos 40 anos. E eu falei: calma, agora já acabou o apartamento, a gente agora começa a tentar. E ele virou pra mim e falou:  'ah, eu acho que vou fazer um espermograma'. Eu falei que não precisava, que a gente tava começando a tentar, e ele dizia: 'mas aí vai mais rápido'.. ". 


"Eu sei que ele tá comigo, tenho certeza absoluta. Tem horas que eu acho que alguém segura o meu coração e ele se acalma. Eu tomo banho e quero ir pro ralo junto com a água. E hoje algo me segurou e eu não chorei tanto. Mas o que eu queria ninguém pode me dar, porque levaram de mim a força, então não tem o que ser feito." 

"Eu tô de pé e tô firme aparentemente. Tenho lampejos de desmoronamento e lampejos de firmeza. Consegui falar aqui, com voce. Eu achei que eu não fosse conseguir falar nada.
- Obrigado, viu, Lélia. Eu imagino o quanto é dificil pra voce...
Obrigada. Eu precisava prestar essa homenagem pra ele."


Abaixo, a reportagem que mostra como Ricardo foi morto pela polícia. 





Sobre Ricardo, Lélia me disse ainda: "O sorriso dele é maravilhoso. Não é um sorriso Monalisa. É um sorriso escancarado, pra fora, porque está vivo." 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Histórias de vida

Alguns anos atrás, uma família inteira saiu do norte de Minas Gerais para tentar a sorte em Rio Claro, no interior de São Paulo. Nove irmãos, jovens, trabalhadores e muito unidos, recomeçaram a vida na nova cidade. O mais velho dos irmãos se chamava Geraldo. Era ele quem cuidava dos mais novos. Era o mentor, o segundo pai de todos os outros. Até que um acidente o imobilizou numa cama. E a morte lhe pareceu a única alternativa possível.

A história de Geraldo e dos irmãos de Geraldo não deve inspirar ninguem.





Nos anos setenta, em um certo posto de saúde no interior de São Paulo, uma criança foi levada pelos pais para tomar a vacina contra a paralisia infantil. Mas a enfermeira se negou a aplicar. Disse que a menina estava gripada e, por isso, não podia tomar a injeção. Menos de um mês depois, essa menina, de apenas um ano e meio, foi encaminhada às pressas para São Paulo. Havia contraído a paralisia infantil. Por causa da doença, ela perdeu todos os movimentos do pescoço para baixo. Obrigada a conviver com medicamentos e equipamentos que só existiam numa UTI, ela nunca mais saiu do hospital. Mas não se entregou. Fez do quarto seu universo particular e, assim, aprendeu a ler e escrever. Aprendeu tambem inglês e italiano. Se formou em um curso de história da arte e tornou-se pintora. Tudo isso usando a boca para escrever, digitar e pintar. No quarto da UTI ela faz amizades. A mais duradoura é com Paulo, que tambem foi internado com paralisia infantil, quase quarenta anos atrás. Juntos os dois ultrapassaram fases, situações e limites que muitos, aqui fora, sequer ousam enfrentar. Eliana e Paulo são pessoas muito inspiradoras. Que eu tive a honra e o imenso prazer de conhecer.






Shaun Wilson-Miller gravou o vídeo abaixo momentos depois de receber uma notícia arrasadora  dos médicos. A de que o coração que ele havia recebido num transplante tinha sido rejeitado pelo seu organismo. E que, por isso, lhe restavam poucos dias de vida. Shaun, de dezessete anos, sofria de uma doença cardíaca crônica e este era o segundo transplante de coração a que ele se submetia. O pai dele, Cameron Miller, nunca perdeu a esperança de ver o filho curado. Mas Shaun não resistiu. Faleceu três semanas depois de gravar esta despedida. Muito triste, mas igualmente inspiradora.