terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Rolando leros


Escrevendo sobre João Pacifico acabei me lembrando de Rolando Boldrin. E de como tive um pedido de entrevista negado por ele. Logo ele, um de meus ídolos caipiras. Na época, final dos anos 90, Boldrin faria um show no teatro do Centro de Convivência Cultural, em Campinas. E eu não poderia perder a oportunidade de entrevista-lo. A sugestão de pauta foi aceita rapidamente, a produção entrou em contato com a assessoria de Boldrin e a entrevista foi marcada para uma sexta-feira a tarde. Minha expectativa era enorme. Desde os tempos do 'Som Brasil', nas manhãs de domingo, que eu admirava aquele apresentador que contava 'causos' como ninguem. E tinha jeito de ser o maior gente boa da paróquia. Era um personagem perfeito para o quadro, chamado 'Encontro', que permitia entrevistas mais longas e até umas 'canjas' durante a conversa. Chegamos por volta das quatro da tarde no teatro. Boldrin estava no palco, terminando o ensaio e esperamos cerca de trinta minutos até ele descer. Fui ao encontro dele todo animado, muito mais na condição de fã do que de reporter. Mas o Boldrin que nos recebeu  não era o mesmo que eu admirava tanto. Ele foi seco: "Escuta, voces vão gravar essa entrevista para exibir quando, hein ?'" Expliquei então que era uma entrevista diferente, especial, e por isso mereceria uma edição mais cuidadosa, portanto deveria ser exibida dali a uma semana, no outro sábado. Ele arqueou as sombrancelhas, apertou os olhos e disparou: 'Mas o que adianta exibir daqui a uma semana se o meu show aqui é neste fim de semana ? Eu pensei que a entrevista fosse para chamar para o show. Desse jeito não adianta'. Ele ainda disse algo sobre a competencia da assessora de imprensa mas eu nem ouvia mais. Estava decepcionado. Eu jamais esperava por aquilo. Poderia ter argumentado que a assessora sabia da proposta da entrevista, que a idéia era mostrar quem era Boldrin fora dos palcos e até que eu era um fã incondicional dele. Mas fiquei em silencio. E fomos embora, de volta para a tv sem a entrevista. Algum tempo se passou até eu perceber que o show business era assim mesmo. O caipira contador de causos era um personagem. Um fascinante personagem e muitíssimo bem interpretado por Boldrin. Personagem que jamais deixei de admirar e acompanhar. E é com a interpretação deste personagem que agradeço a voces pela companhia constante neste balcão. Ele diz, com todas as letras, magnificamente escritas por Vinicius de Moraes, tudo aquilo que gostaria de dizer aos meus bons e sinceros amigos. Ou seja, a todos voces, meus queridos(as) amigos(as) de bar.


O vídeo começa com um pequeno atraso. As primeiras frases não foram captadas. São as seguintes:

'Se eu morrer antes de você, faça-me um favor. Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado...'








quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Considerações

Durante as férias fui convidado para dar uma palestra em Araras, em um dos eventos de comemoração pelos 120 anos do jornal Tribuna do Povo. Fui muito bem recebido e gostei muitíssimo do encontro. Logo no começo, disse que era muito mais de ouvir e observar do que de falar. E que essa instrospecção faz parte da mineiridade. Como alguem já disse, você pode sair de Minas, mas Minas não sai de você. Apesar do aviso, falei por duas horas seguidas. Acho que gostaram, porque ninguem arredou pé da sala. Terminei fazendo algumas considerações sobre jornalismo, que tento repetir abaixo. Acho que serão de alguma valia para quem gosta de jornalismo. Ou para quem estuda, como Luciane, que trocou a enfermagem pelo jornalismo e é frequentadora assídua do boteco.

'Somos todos contadores de histórias. Mas histórias da vida real. Que falam de pessoas, vidas, sonhos, planos, alegrias e tristezas. Histórias que podem alterar rotas e mexer com reputações. Por isso, procuro sempre conta-las com isenção, responsabilidade e honestidade.'

'Considero que a emoção, no jornalismo, é um componente importante. Quando voce consegue tocar o coração do telespectador, ele, por certo, vivencia, avalia e entende melhor a história que é contada.'

'O reporter pode, e até deve, em determinadas circunstancias, vivenciar algumas situações. É preciso, no entanto, saber quais são os limites. Existe uma linha muito tênue entre o que é original e o que é ridículo na televisão.'

Tempos atras, recebi, de um estudante de jornalismo, algumas perguntas para uma 'entrevista' que seria usada num trabalho de faculdade. Casualmente, encontrei a cópia com as respostas que enviei. Assim como o que escrevi acima, são considerações pessoais. Mas que, pelo menos para alguns, podem servir de reflexão.

1) Como que é realizado o texto do jornalismo?

- Creio que cada jornalista tem a sua própria 'fórmula', aquela que ele considera ideal, mas isso pode variar, dependendo da pauta ou do assunto. Numa matéria factual, acho que não tem muito como mudar. O jeito é entrar de sola e mostrar de cara o que motivou a reportagem. Já as matérias frias permitem que o repórter 'viaje' um pouco, mas sem se esquecer jamais que os protagonistas principais serão sempre os personagens e situações. É preciso saber ser original e criativo, tendo em mente que exageros e citações poéticas geralmente transformam a reportagem num amontoado de pieguices. No jornalismo, e especialmente no telejornalismo, o original e o ridículo são separados por uma linha muito tênue. É preciso muito cuidado para não escorregar pelo caminho.

2) Como que são as adaptaçoes feitas no texto para eles passarem isso no jornal na TV ?
- A linguagem ideal é aquela que pode ser compreendida pelo telespectador, logo, é aquela falada por ele. Claro que o 'telespectador', neste caso, é a média da população brasileira. Falar o coloquial exige cuidado. O jornalismo televisivo não admite gírias (salvo em situações excepcionais) nem tolera regionalismos. Uma palavra comum no Rio Grande do Sul pode não ter sentido nenhum no Amazonas, por exemplo. Basicamente, o repórter jamais pode se esquecer que televisão é imagem, e as imagens falam sempre por si. Descrever insistentemente aquilo que as imagens estão mostrando é ofender a inteligência e subestimar a capacidade do telespectador.

3) Se realmente existe uma preocupação com a linguagem e se ha adaptaçoes no texto por causa do público alvo. ( assim...no começo do trabalho a gente tinha que colocar a nossa opinião e o que nós achavamos. A idéia inicial é que o jornal faz uma adaptação em sua linguagem para conseguir "repassar" a sua mensagem, já que a maioria da população não tem estudo e digamos que de certa forma não entende palavras dificeis...somente para confirmar)

- Acho que deve existir, por parte de todo jornalista, muito cuidado com a linguagem. Usar expressões difíceis ou um palavreado rebuscado não vai mudar a avaliação do telespectador em relação ao repórter. Ele não vai achar que o repórter é mais inteligente porque usou uma palavra esquisita. Pode achar, isto sim, que o repórter é arrogante e metido a besta. E se for mesmo necessário usar a tal palavra, é preciso que se explique o significado e porque foi usada. No entanto, não podemos subestimar o telespectador, tratando-o como uma criança semi-analfabeta. Falamos para vários públicos. Para quem não estudou e tambem para o especialista que fez pós-graduação em Harvard e fala três idiomas. Encontrar a linguagem e o tom que ambos entendam facilmente é o grande desafio.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

João Pacifico

Durante as férias ouvi algumas modas antigas de viola. Gosto muito. Desde criança me acostumei a ouvir no rádio e na vitrola que papai tinha na 'venda'. 'Venda', no interior de Minas, é um empório onde se vende de tudo. E papai tinha uma, antes de comprar um caminhão para transportar leite para o laticínio de Cabo Verde. Aprendi a dirigir bem cedo, para ajudar papai na linha de leite. Como ainda era um garoto, não conseguia levantar os latões. Então, nas estradas de terra, eu dirigia e papai ia na carroceria, recolhendo o leite deixado nos pontos pelos sitiantes e fazendeiros. Na cabine do caminhão, enquanto dirigia, eu ouvia as modas no toca-fitas. E jamais imaginava que, um dia, teria a chance de conhecer pessoalmente algum daqueles cantores ou compositores que ouvia. Felizmente, o jornalismo me proporcionou esse privilégio. Me lembro que, em 1998, ainda em Campinas, sugeri uma entrevista especial com João Pacífico, que estava na cidade. Claro que a redação inteira me olhou com uma interrogação na testa. Nunca nenhum deles havia ouvido falar em João Pacifico. Era compreensível, porque João Pacífico não era cantor. Era compositor. Portanto, desconhecido pelo grande público. Mas ele compôs algumas das principais obras primas da musica caipira. Escreveu, em parceria com Raul Torres, clássicos como 'Chico Mulato' e 'Cabocla Teresa'. Depois de devidamente 'apresentado' à redação, a pauta foi aprovada e lá fui eu ao encontro de João Pacífico. Ele já tinha 89 anos e impressionava pela lucidez e bom humor. Já no final da entrevista, na verdade mais uma boa prosa que uma entrevista, perguntei se ele tinha, entre todas as músicas, alguma que mais lhe agradava. João disse que não, que as músicas eram como filhos. Todos são queridos e igualmente amados. Mas, colocando a mão no meu braço, disse que tinha um versinho que gostava de declamar, e perguntou se eu queria ouvir. 'Mas é claro', respondi. E um dos maiores compositores da musica caipira declamou assim, com uma voz e um ritmo inigualáveis:


"Um fiozinho d' água
desviou de um riacho
Veio vindo serra abaixo
e passou no meu pomar
Encontrou uma pedra,
ficou sua companheira
Brincaram de cachoeira
e aqui ficaram pra morar.
Hoje, da minha janela,
eu contemplo a cachoeirinha
Que ficou minha vizinha
desde que a vi nascer
Seu murmúrio doce
é um verdadeiro canto
É quem me serve de acalanto
para eu adormecer."

Quando terminou, olhou pra mim e perguntou: 'Gostou ?' Eu estava emocionado demais para responder. Mas 'seo' João sabia que eu havia gostado. Tanto que brindamos com uma cachaça da boa, que ele adorava tomar nos finais de tarde. Creio que foi a última entrevista de João Pacífico. Ele morreria no final daquele ano. Infelizmente não tenho a gravação com a entrevista que fiz, mas encontrei no Youtube um vídeo onde João Pacifico declama o mesmo poema. Com a maestria e doçura que só os poetas conseguem ter.