sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Medalha de Ouro

Sarah Menezes é um exemplo de superação. Primeira brasileira a ganhar uma medalha de ouro olimpico no judô,  faz parte da história do esporte mundial. E agora faz parte tambem da minha história. A reportagem sobre a saga de Sarah, exibida em agosto no Domingo Espetacular, foi premiada pelo COI (Comite Olimpico Internacional) com a Gold Medal, na categoria The Best Athlete Profile, concorrendo com reportagens de emissoras de todo o mundo. Premio que divido com meus companheiros de jornada, o cinegrafista Hugo Costa (Embeleze) e o auxiliar Francisco Assis (Chiquinho). Sem eles, nada disso teria sido possível.


The Best Athlete Profile 
Gold: TV Record “Sarah Menenzes – Piaui’s Pride” / Raul Dias Filho / Douglas Tavolaro / Thalita Leite, Fábio Harbacher, Marcos Cabral, Odair Marquesolo, Cristina Luckner, Ivana Perecin
Silver: NBC Olympics – “David Rudisha” / Jack Felling, Brian Longenecker
Bronze: ESPN Latin America “Pursuing a Dream – Miguel Correa and Ruben Rezola” / Carlos Sepiurca / Mariano Welch

sexta-feira, 27 de julho de 2012

O amor de Lélia


Lélia e Ricardo eram mais que marido e mulher. Eram parceiros, amigos e cúmplices. Em todos os lugares e  situações. Lélia e Ricardo viveram uma linda história de amor. Ela me contou como se conheceram e como viviam. O depoimento foi comovente. Sei que, para ela, foi mais um desabafo que uma entrevista. Lélia chorou durante o tempo todo. Reproduzo abaixo alguns trechos. Eles falam, basicamente, de amor, entrega e paixão.    


"A gente se conheceu em 99, numa agencia de publicidade. Ele era atendimento e eu era criadora. Ficamos cinco anos como amigos e cinco anos afastados. Cinco anos depois a gente se reencontrou num almoço de ex-funcionários da agencia. Começamos a sair como amigos e depois grudamos para nunca mais se afastar. Fazia nove anos que estavamos juntos. Quatro anos casados."

"Ele tinha uma sede de fazer tudo intensamente com uma paixão avassaladora. No primeiro ano de namoro até meus pais ficaram assustados, porque ele morava em Alphaville e eu morava no Alto da Lapa. E de segunda a segunda, nos 365 dias de 2003, ele veio me ver todos os dias. Todos os dias! As vezes eu estava no cabeleireiro e ele ligava e dizia, vou passar aí pra te ver. Passava, me dava um beijo e ia embora. E no dia seguinte, onde quer que eu estivesse, ele aparecia pra me ver de novo. Foi muito, muito intenso."

"Um homem completamente apaixonado. Um amor que continua e nunca vai morrer. Uma paixão pela vida, uma paixão por mim, uma sintonia de fidelidade que as vezes eu até falava: tenho medo até de inveja. Porque é tão intenso, tão puro... A gente falava tudo, sobre todos os assuntos, planejava tudo junto...Eramos amigos, amantes, um amor que nunca vi igual... Meu amigo, meu melhor amigo, meu amor..."


"Ele era tudo. Amava cozinha. Trabalhou em restaurantes, fez curso de formação de chef e ganhou o premio de melhor aluno. Ganhou tambem estágio no Alex Atalla. Era pra ficar um mês e ficou quase um ano. Ninguem queria que ele saísse. Estudou, fez faculdade e foi pra publicidade. Gostava de escalar. Um ano de namoro e ele me levou pra escalada. Fez mergulho e me levou pra mergulhar. Nossa última viagem foi pra Fernando de Noronha e ele em fez mergulhar todos os dias. Tinha medo e consegui superar. Hoje amo mergulhar. Graças a ele..."

"Esse apartamento a gente construiu junto. Fez tudo junto. Ele que descobriu esse apartamento. A gente tava a três dias de casar e não tinha apartamento. No fim ele conseguiu sozinho.E compramos tudo juntos. 
Nesses quatro anos estamos pagando o apartamento e comprando a cada mês um móvel para colocar aqui. Deu tudo certo e bem agora a gente encomendou o último móvel. O marceneiro tá pra entregar. Mas ele não estará aqui pra gente combinar onde vai ficar melhor..." 

"Ele sempre falava pra eu ter cuidado na hora de estacionar, sempre me dando conselho, me protegendo. E ao mesmo tempo, sempre me falando, todos esses anos juntos, ele falava assim: voce tem que aprender a viver sem mim, voce tem que aprender a ser mais independente. Eu falava: eu sou independente, mas a gente é casado. Ele: claro, mas voce tem que aprender a fazer as coisas sozinha também. Parecia que ele sabia que estava para partir. De uns tempos pra cá ele começou a encontrar mais as pessoas, foi em todas as festas, reencontrou amigos que ele não via faz tempo. Nos últimos dias ele tava mais nervoso. Na quarta ele falou que ele não tava muito bem. Tava melancólico.E um amigo dele perguntou, ainda na quarta (dia em que foi morto): Ricardo, porque voce tá assim hoje ? Nunca te vi assim, cara. O que tá acontecendo ? Ele disse: eu não sei. Ele até fez um movimento e disse: sabe um caminhãozinho que tem todas as pedrinhas na caçamba? Hoje caiu minha ultima pedrinha. Eu tô me sentindo com um vazio tão grande..."

"Ele tinha 39 anos, um mês e uma semana. E falou pra mim: eu quero ser pai antes dos 40 anos. E eu falei: calma, agora já acabou o apartamento, a gente agora começa a tentar. E ele virou pra mim e falou:  'ah, eu acho que vou fazer um espermograma'. Eu falei que não precisava, que a gente tava começando a tentar, e ele dizia: 'mas aí vai mais rápido'.. ". 


"Eu sei que ele tá comigo, tenho certeza absoluta. Tem horas que eu acho que alguém segura o meu coração e ele se acalma. Eu tomo banho e quero ir pro ralo junto com a água. E hoje algo me segurou e eu não chorei tanto. Mas o que eu queria ninguém pode me dar, porque levaram de mim a força, então não tem o que ser feito." 

"Eu tô de pé e tô firme aparentemente. Tenho lampejos de desmoronamento e lampejos de firmeza. Consegui falar aqui, com voce. Eu achei que eu não fosse conseguir falar nada.
- Obrigado, viu, Lélia. Eu imagino o quanto é dificil pra voce...
Obrigada. Eu precisava prestar essa homenagem pra ele."


Abaixo, a reportagem que mostra como Ricardo foi morto pela polícia. 





Sobre Ricardo, Lélia me disse ainda: "O sorriso dele é maravilhoso. Não é um sorriso Monalisa. É um sorriso escancarado, pra fora, porque está vivo." 

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Histórias de vida

Alguns anos atrás, uma família inteira saiu do norte de Minas Gerais para tentar a sorte em Rio Claro, no interior de São Paulo. Nove irmãos, jovens, trabalhadores e muito unidos, recomeçaram a vida na nova cidade. O mais velho dos irmãos se chamava Geraldo. Era ele quem cuidava dos mais novos. Era o mentor, o segundo pai de todos os outros. Até que um acidente o imobilizou numa cama. E a morte lhe pareceu a única alternativa possível.

A história de Geraldo e dos irmãos de Geraldo não deve inspirar ninguem.





Nos anos setenta, em um certo posto de saúde no interior de São Paulo, uma criança foi levada pelos pais para tomar a vacina contra a paralisia infantil. Mas a enfermeira se negou a aplicar. Disse que a menina estava gripada e, por isso, não podia tomar a injeção. Menos de um mês depois, essa menina, de apenas um ano e meio, foi encaminhada às pressas para São Paulo. Havia contraído a paralisia infantil. Por causa da doença, ela perdeu todos os movimentos do pescoço para baixo. Obrigada a conviver com medicamentos e equipamentos que só existiam numa UTI, ela nunca mais saiu do hospital. Mas não se entregou. Fez do quarto seu universo particular e, assim, aprendeu a ler e escrever. Aprendeu tambem inglês e italiano. Se formou em um curso de história da arte e tornou-se pintora. Tudo isso usando a boca para escrever, digitar e pintar. No quarto da UTI ela faz amizades. A mais duradoura é com Paulo, que tambem foi internado com paralisia infantil, quase quarenta anos atrás. Juntos os dois ultrapassaram fases, situações e limites que muitos, aqui fora, sequer ousam enfrentar. Eliana e Paulo são pessoas muito inspiradoras. Que eu tive a honra e o imenso prazer de conhecer.






Shaun Wilson-Miller gravou o vídeo abaixo momentos depois de receber uma notícia arrasadora  dos médicos. A de que o coração que ele havia recebido num transplante tinha sido rejeitado pelo seu organismo. E que, por isso, lhe restavam poucos dias de vida. Shaun, de dezessete anos, sofria de uma doença cardíaca crônica e este era o segundo transplante de coração a que ele se submetia. O pai dele, Cameron Miller, nunca perdeu a esperança de ver o filho curado. Mas Shaun não resistiu. Faleceu três semanas depois de gravar esta despedida. Muito triste, mas igualmente inspiradora.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Os motivos de Elize

O que leva uma mulher jovem, bonita, rica, casada e mãe de uma filha pequena a matar o próprio marido ? E esquartejar o corpo, através de cortes cirúrgicos ? Existem respostas para a primeira pergunta. Para a segunda, porem, só existem hipóteses. Elize é a personagem principal desta história, que lembra roteiros de ficção. A primeira parte remete ao filme 'Uma linda mulher', onde o milionário vivido por Richard Gere se apaixona pela prostituta interpretada por Julia Roberts. A segunda parte, no entanto, mistura mistério e horror, na mesma proporção. Filha mais velha de uma família simples e humilde do interior do Paraná, a jovem batalhadora e ambiciosa não mediu esforços para se dar bem na vida. Elize deixou a casa dos pais quando completou 18 anos, fez um curso técnico de enfermagem e trabalhou na Assembléia Legislativa, em Curitiba, até que resolveu tentar a vida em São Paulo. Na capital mais populosa da América do Sul, Elize esqueceu os pudores. Com o codinome 'Kelly', usou a beleza e vendeu o corpo para ganhar dinheiro. As fotos sensuais e provocantes atrairam os olhares e despertaram a volúpia de muitos homens. Entre eles, estava Marcos Kitano Matsunaga. Bastaram poucos encontros, muito bem remunerados, para que o nissei tímido e tranquilo, casado e herdeiro de uma fortuna bilionária, se perdesse de amores pela loira paranaense. Apaixonado, Marcos largou a mulher e enfrentou o conservadorismo da família para viver seu conto de fadas. Um pacto de fidelidade selou a união do casal. Mas, contrariando as expectativas, só Elize foi fiel. Marcos não conseguiu se livrar da atração irresistível que sempre teve por garotas de aluguel. E Elize, ironicamente, passou a viver o outro lado da moeda. De pivô de traições, conheceu o que é ser mulher traída. E o casamento começou a ruir. As brigas se tornaram constantes. E, talvez até influenciado pelas próprias 'companhias', o passado de Elize começou a incomodar Marcos. Na noite do crime, ele pegou pesado com a mulher: "Você vai voltar para o lixo de onde veio" - "Eu sustento a sua família inteira" - "Seu pai é um vagabundo" - "Você não tem moral para ser mãe" - "Vou te deixar na calçada" - "Vou ficar com a guarda de nossa filha, porque nenhum juiz vai dar a guarda de uma criança para uma puta". Estas teriam sido algumas frases ditas por ele naquela noite. As ofensas foram relatadas por Elize no depoimento à polícia. E sustentadas pela babá que já tinha presenciado outras discussões do casal. O passado da esposa realmente assombrava Marcos Matsunaga. Para ele, Elize ainda era Kelly. E Kelly era uma prostituta. As ofensas, traições, humilhações, referências à família e a possibilidade de perder a guarda da filha são as prováveis motivações para o crime. É compreensível, embora inaceitável pela lei dos homens, que uma mãe mate para proteger um filho. Mas é inexplicável que qualquer pessoa tenha sangue frio suficiente para retalhar um corpo humano. Ainda mais quando este corpo é do homem que viveu um conto de fadas ao lado da assassina. E é pai da única filha que ela tem. Uma menina que, um dia, vai ser confrontada com uma triste realidade. A de que o pai dela foi morto e esquartejado pela mulher que ela chama de mãe. 

A reportagem abaixo foi a primeira feita por mim para o Domingo Espetacular. O laudo que incrimina ainda mais Elize, quando levanta a possibilidade dela ter esquartejado Marcos ainda vivo, foi divulgado alguns dias depois. O inquérito está conluído. Mas, não sei porque, acho que o caso ainda não está encerrado.
   


O Ministério Público denunciou Elize por homicídio triplamente qualificado. Por motivo torpe, recurso que impossibilitou a defesa da vítima e meio cruel, e ocultação de cadáver. O MP alega que Elize matou por dinheiro. De olho no seguro de 600 mil reais. Acho estranho. Ela era dona de metade do apartamento onde vivia com Marcos. Uma cobertura triplex avaliada em 5 milhões de reais. E, numa eventual separação, teria direito a uma indenização razoável. Como matou ? Porque matou ? Um dia, Elize vai dizer.

quinta-feira, 7 de junho de 2012

A ária de Meneghin

Luiz Meneghin nasceu em São Paulo. E vive há 19 anos nos Estados Unidos. Ele mora numa pequena cidade de Utah, no oeste americano. Assim como milhares de brasileiros, Luiz deixou o Brasil em busca de condições melhores de vida. Talvez tenha ido pensando em voltar um dia. Mas arrumou um emprego digno, se casou, teve uma filha e estreitou os laços que o prendem aos Estados Unidos. Luiz é enfermeiro. E cuida dos pacientes de um modo especial. Dá a eles, alem de carinho e cuidados, doses homeopáticas de boa música, todos os dias. A história de Luiz é comovente. Impossível não se emocionar com ela.


quarta-feira, 23 de maio de 2012

O último Gibb

O vídeo abaixo foi feito por Barry Gibb, em homenagem ao irmão Robin. Imagino a emoção dele ao juntar tantos momentos de convivencia em pouco mais de 4 minutos. Bodding, que dá titulo ao video, era o apelido de infancia de Robin. A trilha sonora do vídeo é a música "Heart Like Mine", canção de 1993 dos Bee Gees.




Os irmãos Gibb começaram a cantar juntos quando eram crianças. Robin tinha 8 anos quando se apresentou com Barry e Maurice pela primeira vez. Foi em 1957 e nessa época o grupo já se chamava Bee Gees. Infelizmente para a música, e para todos que apreciam a boa música, a familia Gibb se desfez prematuramente. Andy, o caçula, morreu de miocardite (uma inflamação no coração) aos 30 anos de idade. Maurice tinha 53 quando morreu inesperadamente, depois de uma cirurgia para desobstrução intestinal. E Robin foi-se agora, aos 62 anos. Resta Barry Gibb. E a certeza de que as lendas não morrem jamais.

A música abaixo (Our Love - "Don't Throw It All Away") é uma linda homenagem que os irmãos prestaram a Andy durante a gravação de um DVD em Las Vegas. Talvez tenha vindo daí a inspiração para Barry  fazer "Bodding".  





Por último, e não menos importante, Robin pediu para ser enterrado ao som de "How Deep Is your Love". Compartilhemos. Bee Gees em dose tripla nunca é demais...


sexta-feira, 13 de abril de 2012

terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Rolando leros


Escrevendo sobre João Pacifico acabei me lembrando de Rolando Boldrin. E de como tive um pedido de entrevista negado por ele. Logo ele, um de meus ídolos caipiras. Na época, final dos anos 90, Boldrin faria um show no teatro do Centro de Convivência Cultural, em Campinas. E eu não poderia perder a oportunidade de entrevista-lo. A sugestão de pauta foi aceita rapidamente, a produção entrou em contato com a assessoria de Boldrin e a entrevista foi marcada para uma sexta-feira a tarde. Minha expectativa era enorme. Desde os tempos do 'Som Brasil', nas manhãs de domingo, que eu admirava aquele apresentador que contava 'causos' como ninguem. E tinha jeito de ser o maior gente boa da paróquia. Era um personagem perfeito para o quadro, chamado 'Encontro', que permitia entrevistas mais longas e até umas 'canjas' durante a conversa. Chegamos por volta das quatro da tarde no teatro. Boldrin estava no palco, terminando o ensaio e esperamos cerca de trinta minutos até ele descer. Fui ao encontro dele todo animado, muito mais na condição de fã do que de reporter. Mas o Boldrin que nos recebeu  não era o mesmo que eu admirava tanto. Ele foi seco: "Escuta, voces vão gravar essa entrevista para exibir quando, hein ?'" Expliquei então que era uma entrevista diferente, especial, e por isso mereceria uma edição mais cuidadosa, portanto deveria ser exibida dali a uma semana, no outro sábado. Ele arqueou as sombrancelhas, apertou os olhos e disparou: 'Mas o que adianta exibir daqui a uma semana se o meu show aqui é neste fim de semana ? Eu pensei que a entrevista fosse para chamar para o show. Desse jeito não adianta'. Ele ainda disse algo sobre a competencia da assessora de imprensa mas eu nem ouvia mais. Estava decepcionado. Eu jamais esperava por aquilo. Poderia ter argumentado que a assessora sabia da proposta da entrevista, que a idéia era mostrar quem era Boldrin fora dos palcos e até que eu era um fã incondicional dele. Mas fiquei em silencio. E fomos embora, de volta para a tv sem a entrevista. Algum tempo se passou até eu perceber que o show business era assim mesmo. O caipira contador de causos era um personagem. Um fascinante personagem e muitíssimo bem interpretado por Boldrin. Personagem que jamais deixei de admirar e acompanhar. E é com a interpretação deste personagem que agradeço a voces pela companhia constante neste balcão. Ele diz, com todas as letras, magnificamente escritas por Vinicius de Moraes, tudo aquilo que gostaria de dizer aos meus bons e sinceros amigos. Ou seja, a todos voces, meus queridos(as) amigos(as) de bar.


O vídeo começa com um pequeno atraso. As primeiras frases não foram captadas. São as seguintes:

'Se eu morrer antes de você, faça-me um favor. Chore o quanto quiser, mas não brigue com Deus por Ele haver me levado...'








quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Considerações

Durante as férias fui convidado para dar uma palestra em Araras, em um dos eventos de comemoração pelos 120 anos do jornal Tribuna do Povo. Fui muito bem recebido e gostei muitíssimo do encontro. Logo no começo, disse que era muito mais de ouvir e observar do que de falar. E que essa instrospecção faz parte da mineiridade. Como alguem já disse, você pode sair de Minas, mas Minas não sai de você. Apesar do aviso, falei por duas horas seguidas. Acho que gostaram, porque ninguem arredou pé da sala. Terminei fazendo algumas considerações sobre jornalismo, que tento repetir abaixo. Acho que serão de alguma valia para quem gosta de jornalismo. Ou para quem estuda, como Luciane, que trocou a enfermagem pelo jornalismo e é frequentadora assídua do boteco.

'Somos todos contadores de histórias. Mas histórias da vida real. Que falam de pessoas, vidas, sonhos, planos, alegrias e tristezas. Histórias que podem alterar rotas e mexer com reputações. Por isso, procuro sempre conta-las com isenção, responsabilidade e honestidade.'

'Considero que a emoção, no jornalismo, é um componente importante. Quando voce consegue tocar o coração do telespectador, ele, por certo, vivencia, avalia e entende melhor a história que é contada.'

'O reporter pode, e até deve, em determinadas circunstancias, vivenciar algumas situações. É preciso, no entanto, saber quais são os limites. Existe uma linha muito tênue entre o que é original e o que é ridículo na televisão.'

Tempos atras, recebi, de um estudante de jornalismo, algumas perguntas para uma 'entrevista' que seria usada num trabalho de faculdade. Casualmente, encontrei a cópia com as respostas que enviei. Assim como o que escrevi acima, são considerações pessoais. Mas que, pelo menos para alguns, podem servir de reflexão.

1) Como que é realizado o texto do jornalismo?

- Creio que cada jornalista tem a sua própria 'fórmula', aquela que ele considera ideal, mas isso pode variar, dependendo da pauta ou do assunto. Numa matéria factual, acho que não tem muito como mudar. O jeito é entrar de sola e mostrar de cara o que motivou a reportagem. Já as matérias frias permitem que o repórter 'viaje' um pouco, mas sem se esquecer jamais que os protagonistas principais serão sempre os personagens e situações. É preciso saber ser original e criativo, tendo em mente que exageros e citações poéticas geralmente transformam a reportagem num amontoado de pieguices. No jornalismo, e especialmente no telejornalismo, o original e o ridículo são separados por uma linha muito tênue. É preciso muito cuidado para não escorregar pelo caminho.

2) Como que são as adaptaçoes feitas no texto para eles passarem isso no jornal na TV ?
- A linguagem ideal é aquela que pode ser compreendida pelo telespectador, logo, é aquela falada por ele. Claro que o 'telespectador', neste caso, é a média da população brasileira. Falar o coloquial exige cuidado. O jornalismo televisivo não admite gírias (salvo em situações excepcionais) nem tolera regionalismos. Uma palavra comum no Rio Grande do Sul pode não ter sentido nenhum no Amazonas, por exemplo. Basicamente, o repórter jamais pode se esquecer que televisão é imagem, e as imagens falam sempre por si. Descrever insistentemente aquilo que as imagens estão mostrando é ofender a inteligência e subestimar a capacidade do telespectador.

3) Se realmente existe uma preocupação com a linguagem e se ha adaptaçoes no texto por causa do público alvo. ( assim...no começo do trabalho a gente tinha que colocar a nossa opinião e o que nós achavamos. A idéia inicial é que o jornal faz uma adaptação em sua linguagem para conseguir "repassar" a sua mensagem, já que a maioria da população não tem estudo e digamos que de certa forma não entende palavras dificeis...somente para confirmar)

- Acho que deve existir, por parte de todo jornalista, muito cuidado com a linguagem. Usar expressões difíceis ou um palavreado rebuscado não vai mudar a avaliação do telespectador em relação ao repórter. Ele não vai achar que o repórter é mais inteligente porque usou uma palavra esquisita. Pode achar, isto sim, que o repórter é arrogante e metido a besta. E se for mesmo necessário usar a tal palavra, é preciso que se explique o significado e porque foi usada. No entanto, não podemos subestimar o telespectador, tratando-o como uma criança semi-analfabeta. Falamos para vários públicos. Para quem não estudou e tambem para o especialista que fez pós-graduação em Harvard e fala três idiomas. Encontrar a linguagem e o tom que ambos entendam facilmente é o grande desafio.

quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

João Pacifico

Durante as férias ouvi algumas modas antigas de viola. Gosto muito. Desde criança me acostumei a ouvir no rádio e na vitrola que papai tinha na 'venda'. 'Venda', no interior de Minas, é um empório onde se vende de tudo. E papai tinha uma, antes de comprar um caminhão para transportar leite para o laticínio de Cabo Verde. Aprendi a dirigir bem cedo, para ajudar papai na linha de leite. Como ainda era um garoto, não conseguia levantar os latões. Então, nas estradas de terra, eu dirigia e papai ia na carroceria, recolhendo o leite deixado nos pontos pelos sitiantes e fazendeiros. Na cabine do caminhão, enquanto dirigia, eu ouvia as modas no toca-fitas. E jamais imaginava que, um dia, teria a chance de conhecer pessoalmente algum daqueles cantores ou compositores que ouvia. Felizmente, o jornalismo me proporcionou esse privilégio. Me lembro que, em 1998, ainda em Campinas, sugeri uma entrevista especial com João Pacífico, que estava na cidade. Claro que a redação inteira me olhou com uma interrogação na testa. Nunca nenhum deles havia ouvido falar em João Pacifico. Era compreensível, porque João Pacífico não era cantor. Era compositor. Portanto, desconhecido pelo grande público. Mas ele compôs algumas das principais obras primas da musica caipira. Escreveu, em parceria com Raul Torres, clássicos como 'Chico Mulato' e 'Cabocla Teresa'. Depois de devidamente 'apresentado' à redação, a pauta foi aprovada e lá fui eu ao encontro de João Pacífico. Ele já tinha 89 anos e impressionava pela lucidez e bom humor. Já no final da entrevista, na verdade mais uma boa prosa que uma entrevista, perguntei se ele tinha, entre todas as músicas, alguma que mais lhe agradava. João disse que não, que as músicas eram como filhos. Todos são queridos e igualmente amados. Mas, colocando a mão no meu braço, disse que tinha um versinho que gostava de declamar, e perguntou se eu queria ouvir. 'Mas é claro', respondi. E um dos maiores compositores da musica caipira declamou assim, com uma voz e um ritmo inigualáveis:


"Um fiozinho d' água
desviou de um riacho
Veio vindo serra abaixo
e passou no meu pomar
Encontrou uma pedra,
ficou sua companheira
Brincaram de cachoeira
e aqui ficaram pra morar.
Hoje, da minha janela,
eu contemplo a cachoeirinha
Que ficou minha vizinha
desde que a vi nascer
Seu murmúrio doce
é um verdadeiro canto
É quem me serve de acalanto
para eu adormecer."

Quando terminou, olhou pra mim e perguntou: 'Gostou ?' Eu estava emocionado demais para responder. Mas 'seo' João sabia que eu havia gostado. Tanto que brindamos com uma cachaça da boa, que ele adorava tomar nos finais de tarde. Creio que foi a última entrevista de João Pacífico. Ele morreria no final daquele ano. Infelizmente não tenho a gravação com a entrevista que fiz, mas encontrei no Youtube um vídeo onde João Pacifico declama o mesmo poema. Com a maestria e doçura que só os poetas conseguem ter.