domingo, 28 de fevereiro de 2010

A última fronteira

Você sabe onde fica a fronteira mais remota do Brasil ? Eu te falo. Fica a 1010 quilômetros da costa brasileira, quase na metade do caminho entre a América do Sul e África. São cinco pequenas ilhas, que formam o arquipélago de São Pedro e São Paulo. Estive lá no final do ano passado. Agora, pensa num lugar distante!  Ainda mais que a viagem foi feita num navio balizador da Marinha. Estes navios não são combatentes. São usados para fazer a manutenção das bóias náuticas. E, por isso, possuem motores menos potentes. Nosso navio, o Comandante Manhães, navega a uma velocidade de 5 nós. Aproximadamente 10 quilômetros por hora. E quando o navio desliza devagar, ele balança muito mais. E este balançava demais da conta. Resultado: no primeiro dia, quase todo mundo mareou. Inclusive parte da tripulação. Aliás, homens abnegados que, muitas vezes, passam meses em alto mar, distantes da família. Agora, se marinheiros tarimbados enjoaram, imagine os outros! No total, éramos 36 pessoas a bordo. Trinta e um tripulantes e apenas cinco passageiros: um técnico do INPE, um cineasta colombiano e seu cinegrafista, e nossa equipe, o cinegrafista Juarez Tavares e este reporter que vos fala. Não sei se foi proposital, para testar a resistência dos passageiros, mas no primeiro dia o cardápio do almoço foi dobradinha. Aquele prato que, entre outros ingredientes, tem carne de charque e bucho de boi. Tenho que ser justo com o cozinheiro: o tempero estava saboroso mas, definitivamente, dobradinha é incompatível com um navio que balança mais do que pranchinha de isopor na banheira. Olha, fiquei com dó do cineasta colombiano e de seu cinegrafista. No primeiro dia, eles ficaram verdes. No segundo, a cor do rosto era azul. E no terceiro dia, de uma palidez impressionante. Ah, tem mais. Junte-se ao balanço do navio um calor danado e um tédio absoluto. A principal atividade a bordo era comer e assistir filmes e shows em dvd. Só do Leonardo devo ter assistido vinte vezes. E outras vinte do Amado Batista. Na boa, não precisava nem da maresia pra enjoar. Eu até que fui bem. Mareei no primeiro dia, mas nada que me levasse a ter impulsos suicidas, como aconteceu com os dois colombianos. Teve uma hora que pensei que eles fossem se jogar no mar. Mas sobrevivemos todos. E depois de quatro dias no mar avistamos as rochas que dão ao lugar o pomposo titulo de arquipélago. Um lugar remoto, inóspito e, ao mesmo tempo, de uma beleza singular.

No próximo post conto mais sobre o arquipélago e o que fizemos por lá. Seguem algumas fotos do lugar.

Abaixo, uma foto do Comandante Manhães. Ao contrário do que eu imaginava, as letras no casco do navio não significam H2O (Agá dois ó) e sim H20 (Agá vinte).
Parece um rio, mas é apenas um espaço entre as ilhas. A água entra com uma força espantosa e deixa o mar com uma tonalidade incrivel.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Ainda que eu falasse a língua dos anjos...

Janeiro foi embora, as férias acabaram, fevereiro já está batendo as botas e o tempo não para. Na volta ao batente, de cara, uma reportagem sobre acidentes com ônibus.  Oito pessoas mortas. Crianças entre as vítimas. Tragédia. Não gosto de fazer. Não consigo me distanciar da dor daqueles que choram a perda de entes queridos. Por mais desconhecidos que sejam. E para fazer esta reportagem tive que ir ao velório e sepultamento de uma criança de dois anos. O menino estava com a mãe no ônibus que tombou perto de Mairiporã, na grande São Paulo. Era filho único. E se chamava Guilherme. A mãe ficou bastante ferida, e só deixou o hospital para se despedir do filho, já no cemitério. Este drama foi mostrado na reportagem. E tambem foi mostrada a historia de uma professora de Atibaia, que estava no ônibus e escapou sem praticamente nenhum ferimento. O depoimento desta professora me impressionou muito. Principalmente por causa de um trecho que não foi ao ar. Ela contou que a lembrança mais nítida que tinha da viagem era justamente a da mãe e do menininho: "desde a saida da rodoviária, o menino chorava muito. Ele pedia pelo pai o tempo todo. Chamava o pai, queria o pai. E a mãe agiu com uma paciência surpreendente. Eu tambem sou mãe e sei que, muitas vezes, a gente perde a paciência com crianças que choram muito. Ela não. Teve calma, carinho, o tempo todo. Mas o menino continuou chamando pelo pai. Ele queria sair do ônibus. Ele não queria ficar ali." Estranho, né ? Crianças normalmente gostam de carros. Gostam de ônibus. E se sentem seguras ao lado da mãe. A professora ficou com a certeza que o menino de dois anos pressentia alguma coisa. E eu fiquei impressionado com a historia. Terá sido coincidência ? Ou algum anjo teria sussurrado algo nos ouvidos inocentes de Guilherme ?

Se quiser ver a reportagem clique abaixo: