quinta-feira, 30 de abril de 2009

O faroeste caboclo da Amazônia

A Amazônia é uma fonte inesgotável de matérias. Meu coração de jornalista pulsa mais forte toda vez que vou para aquelas bandas. É impressionante como a região nos oferece situações e personagens fascinantes. Sei que basta cavocar, aqui e ali, pra dar de frente com grandes reportagens. Nesta última viagem que fiz, à região de Altamira, não foi diferente. A pauta inicial era mostrar as consequências da enchente que varreu a cidade. Depois disso, tinha a incumbência de visitar Medicilândia, onde tambem foi possível produzir um bom material. E aí, restava a terceira, que eu mesmo tinha que encontrar. Esta reportagem, que vai ao ar neste domingo, começou a se desenhar logo que desembarcamos em Altamira. Na verdade, tínhamos acabado de chegar ao hotel e estávamos fazendo o check-in, quando um sujeito entrou, apavorado, e disse ao recepcionista que um hóspede tinha acabado de ser baleado em pleno centro da cidade. Aliás, baleado é pouco. O sujeito tinha sido executado mesmo. Com sete tiros. Cinco deles no rosto. Assuntando aqui e ali, descobri que o rapaz assassinado era madeireiro. E que este tipo de execução era mais ou menos comum na região. Bem, este foi o start. Esta era a matéria que faltava: afinal, o conflito de terras na Amazônia não acabou ? Definida a pauta, era preciso encontrar a resposta. E saí a campo. Depois de muita andança pela transamazônica, descobri que a região que envolve os municípios de Altamira, Uruará e Anapu, ainda é, sim, um foco constante de violência. De conflitos que envolvem pessoas ricas e influentes. Bandidos travestidos de madeireiros ainda formam milícias armadas. Pistoleiros armados ainda torturam e matam pela posse de madeira e terras. Terras, aliás, que pertencem à União. Só pra se ter uma idéia do que é esta violência que encontramos: Uruará tem cerca de 20 mil habitantes. A maioria mora na zona rural. E entre março e agosto do ano passado aconteceram 30 homicídios na cidade. Trinta! Quase todos por causa da briga por madeira. Claro que inocentes também morrem nesta guerra não declarada pela posse da terra. Uma guerra que não começou agora. Nos primórdios, índios também guerrearam na Amazônia, brigando por terras onde havia mais caça e melhor pesca. A diferença é que os 'homens brancos de olhos azuis' agora matam por causa da madeira. A vítima mais conhecida é Dorothy Stang, missionária americana assassinada em Anapu, quatro anos atrás. Mas brasileiros anônimos continuam sendo mortos, nesta guerra insana que envolve o que existe de mais precioso na Amazônia: a madeira de lei que se espalha por milhares de quilômetros quadrados. A reportagem vai mostrar um pouco desse quadro sombrio. Mas, amigos de bar, não se deixem enganar pelo clima de faoreste que permeia o vt. Altamira não é assim. Uruará também não. Nem Anapu ou Medicilândia. A violência está em volta, mas todos que vivem nestas cidades são trabalhadores. Homens que vieram de longe em busca de um sonho. Incentivados pelo desbravamento e pela conquista de uma terra que, na época, era prometida. Neste faroeste caboclo existem muito mais inocentes do que bandidos. Mas os poucos bandidos têm dinheiro, influência e poder. Por isso, continuam matando. E, neste Brasil do andar de baixo, ainda se mata impunemente.

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Gripe canina

De tempos em tempos a humanidade é posta à prova. Quando não são desastres naturais, o próprio homem se encarrega de criar alguma hecatombe. Desta vez, a ameaça se chama gripe suina. Depois da gripe espanhola, da vaca louca e da gripe aviária, eis que surge um novo vírus, pairando perigosamente no ar. Penso que, depois de todo alarde, a gripe vai ser debelada. Antes, porém, vai ceifar vidas. Principalmente nos paises menos desenvolvidos, onde o diagnóstico é mais demorado. Ou seja, o nosso está na reta. O negócio é se informar e se prevenir. E torcer para que, algum dia, este vírus mutante não atinja os cães. Já pensou ? Quase todos os brasileiros temos nossos Rex, Bidus, Alefs e Jimys em casa. E, por causa dessa proximidade, nossos cães seriam os vetores mais potencialmente perigosos para espalhar uma nova praga. Mas enquanto a gripe canina não chega, vamos nos prevenir desta, que está chegando. Click no link abaixo e saiba tudo que você sempre quis saber sobre gripe suina mas tinha vergonha de perguntar.

http://www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ult94u556537.shtml

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Carta aberta aos jornalistas do Brasil

Meus amigos de bar, fazia tempo que não vibrava tanto como vibrei ao ver a descompostura que o Ministro Joaquim Barbosa passou no tosco Gilmar Mendes. Aliás, eu já havia postado alguns comentários sobre o truculento ministro Mendes e, confesso, não pretendia voltar ao assunto. Mas o Gilmar Mendes não sossega o facho. E levou uma bofetada com luva de pelica. Quem não viu, acesse o link abaixo:

http://www.youtube.com/watch?v=sIUdUsPM2WA


A propósito, recebi uma carta, repassada pelo caro amigo Henrique Picarelli, que esclarece, entre outras coisas, que o nefando ministro tem, sim, antecedentes comportamentais. Leiam.


Carta aberta aos jornalistas do Brasil

19/03/2009 20:54:59
Leandro Fortes

No dia 11 de março de 2009, fui convidado pelo jornalista Paulo José Cunha, da TVCâmara, para participar do programa intitulado Comitê de Imprensa, um espaço reconhecidamente plural de discussão da imprensa dentro do Congresso Nacional. A meu lado estava, também convidado, o jornalista Jailton de Carvalho, da sucursal deBrasília de O Globo. O tema do programa, naquele dia, era a reportagem da revista Veja, do fim de semana anterior, com as supostas e “aterradoras” revelações contidas no notebook apreendido pela Polícia Federal na casa do delegado Protógenes Queiroz, referentes à Operação Satiagraha. Eu, assim como Jailton, já havia participado outras vezes do Comitê de Imprensa, sempre a convite, para tratar de assuntos os mais diversos relativos ao comportamento e à rotina da imprensa em Brasília. Vale dizer que Jailton e eu somos repórteres veteranos na cobertura de assuntos de Polícia Federal, em todo o país. Razão pela qual, inclusive, o jornalista Paulo José Cunha nos convidou a participar do programa. Nesta carta, contudo, falo somente por mim. Durante a gravação, aliás, em ambiente muito bem humorado e de absoluta liberdade de expressão, como cabe a um encontro entre velhos amigos jornalistas,discutimos abertamente questões relativas à Operação Satiagraha, à CPI das EscutasTelefônicas Ilegais, às ações contra Protógenes Queiroz e, é claro, ao grampo telefônico – de áudio nunca revelado – envolvendo o presidente do Supremo TribunalFederal, ministro Gilmar Mendes, e o senador Demóstenes Torres, do DEM de Goiás. Em particular, discordei da tese de contaminação da Satiagraha por conta da participaçãode agentes da Abin e citei o fato de estar sendo processado por Gilmar Mendes por ter denunciado, nas páginas da revista CartaCapital, os muitos negócios nebulosos que envolvem o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), de propriedade do ministro, farto de contratos sem licitação firmados com órgãos públicos e construído com recursos do Banco do Brasil sobre um terreno comprado ao governo do DistritoFederal, à época do governador Joaquim Roriz, com 80% de desconto. Terminada a gravação, o programa foi colocado no ar, dentro de uma grade de programação pré-agendada, ao mesmo tempo em que foi disponibilizado na internet, na página eletrônica da TV Câmara. Lá, qualquer cidadão pode acessar e ver os debates,como cabe a um serviço público e democrático ligado ao Parlamento brasileiro. O debate daquele dia, realmente, rendeu audiência, tanto que acabou sendo reproduzido em muitos sites da blogosfera. Qual foi minha surpresa ao ser informado por alguns colegas, na quarta-feira passada, dia 18 de março, exatamente quando completei 43 anos (23 dos quais dedicados ao jornalismo), que o link para o programa havia sido retirado da internet, sem que me fosse dada nenhuma explicação. Aliás, nem a mim, nem aos contribuintes e cidadãos brasileiros. Apurar o evento, contudo, não foi muito difícil: irritado com o teor do programa, o ministro Gilmar Mendes telefonou ao presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, do PMDB de São Paulo, e pediu a retirada do conteúdo da página da internet e a suspensão da veiculação na grade da TV Câmara. O pedido de Mendes foi prontamente atendido. Sem levar em conta o ridículo da situação (o programa já havia sido veiculado seisvezes pela TV Câmara, além de visto e baixado por milhares de internautas), esse episódio revela um estado de coisas que transcende, a meu ver, a discussão pura e simples dos limites de atuação do ministro Gilmar Mendes. Diante desta submissão inexplicável do presidente da Câmara dos Deputados e, por extensão, do Poder Legislativo, às vontades do presidente do STF, cabe a todos nós, jornalistas, refletir sobre os nossos próprios limites. Na semana passada, diante de um questionamento feito por um jornalista do Acre sobre a posição contrária do ministro em relação ao MST, Mendes voltou-se furioso para o repórter e disparou: “Tome cuidado ao fazer esse tipo de pergunta!”. Como assim? Que perguntas podem ser feitas ao ministro Gilmar Mendes? Até onde, nós, jornalistas, vamos deixar essa situação chegar sem nos pronunciarmos, em termos coletivos, sobre esse crescente cerco às liberdades individuais e de imprensa patrocinados pelo chefe do PoderJudiciário? Onde estão a Fenaj, e ABI e os sindicatos?Apelo, portanto, que as entidades de classe dos jornalistas, em todo o país, tomem uma posição clara sobre essa situação e, como primeiro movimento, cobrem da Câmara dos Deputados e da TV Câmara uma satisfação sobre esse inusitado ato de censura que fere os direitos de expressão de jornalistas e, tão grave quanto, de acesso a informação pública, por parte dos cidadãos. As eventuais disputas editoriais, acirradas aqui e ali, entre os veículos de comunicação brasileiros não pode servir de obstáculo para a exposição pública de nossa indignação conjunta contra essa atitude execrável levada a cabo dentro do Congresso Nacional, com a aquiescência do presidente da Câmara dos Deputados e da diretoria da TV Câmara que, acredito, seja formada por jornalistas. Sem mais, faço valer aqui minha posição de total defesa do direito de informar e ser informado sem a ingerência de forças do obscurantismo político brasileiro, apoiadas por quem deveria, por dever de ofício, nos defender.

Leandro Fortes
Jornalista
Brasília, 19 de março de 2009

quarta-feira, 22 de abril de 2009

Medicilândia

É, o nome é esse mesmo: Medicilândia. Quando eu vi, confesso que pensei em algo relacionado com medicina. Mas quanta ingenuidade! Bastava conferir a localização. Medicilândia é uma pequena cidade às margens da rodovia transamazônica, fundada por volta de 1972, no governo de Emílio Garrastazu Médici. E o nome é uma homenagem ao presidente que comandou o 'milagre econômico' que, anos depois, cobraria sua conta. Então, Medicilândia é uma cidade tranquila, com cerca de vinte mil habitantes, e que encontra no cacau a base de sua economia. Como assim ? Cacau na Amazônia ? Mais uma surpresa, né ? Pois é, Medicilândia é dona, hoje, da maior produção de cacau do Brasil. E só. Mas a pequena cidade já viveu tempos melhores. Foi sede da primeira usina de açúcar e álcool da região norte. Como os militares, naquele tempo, não tinham imaginação nenhuma e adoravam bajular os Estados Unidos, batizaram a usina com o nome de Abraham Lincoln. Não contavam, porém, com a astúcia dos paraenses, que acharam que o presidente americano não tinha nada a ver com nada e rebatizaram informalmente o lugar como Usina do Pacau. Convenhamos, um nome muito mais simples, amazônico e bonito do que o anterior. E o projeto Pacau, na época, atraiu milhares de pessoas para Medicilândia. Quem vinha ganhava casa, terras, dinheiro e emprego. Mas também, assim, até eu!! Só que a Usina sempre foi deficitária. E, por isso, acabou sendo fechada em 2001. Este é o resumo da história. Mas foi por tudo isso que fui até Medicilândia. Fazer uma reportagem e mostrar às quantas anda a usina e a cidade. Amigos de bar, o que encontrei lá resume o que foi o Brasil dos militares: megalomaníaco, utópico, injusto e perdulário. Imagine uma usina inteira completamente abandonada. Com todas as máquinas, equipamentos, materiais... tudo apodrecendo sob a chuva e o calor implacável da Amazônia. Dezenas de carros, caminhonetes e caminhões abandonados. Esquecidos ao relento. Máquinas pesadas abandonadas no meio do mato. O desperdício impressiona. Mas o que entristece mesmo é ver o abandono das pessoas. Sabe aqueles milhares que chegaram a reboque da 'ordem e progresso' ? Continuam lá, tão esquecidos quanto a usina, os equipamentos e as promessas de uma vida digna. Todos dependiam da usina e o fechamento provocou um impacto econômico e social jamais visto na cidade. O mesmo governo que atraiu estas pessoas se esqueceu delas. Atraiu e traiu. É por isso que Medicilândia é um retrato bem acabado do Brasil de ontem e de hoje. Um país que, apesar dos pesares, continua sendo injusto com seu povo.

sábado, 18 de abril de 2009

Douglas - o menino de Altamira

Altamira, no interior do Pará, é uma cidade movimentada. O trânsito, com muitas motos e bicicletas, é algo caótico, mas os moradores parecem acostumados com a falta de regras nas ruas. Principamente agora, quando muitos estão tentando reconstruir suas vidas, varridas por uma enxurrada gigante jamais vista na região. Ontem, enquanto conversava com moradores ainda assustados pela tragédia, percebi um garoto sempre ao lado, acompanhando atento as entrevistas. Embora já tivesse conseguido bons depoimentos, resolvi falar com ele também. E consegui a melhor das entrevistas. Douglas tem apenas nove anos. E ainda está claramente atordoado com tudo que viu e viveu nos últimos dias. A água invadiu sua casa. Levou móveis, cadernos, brinquedos. E levou também um pouco da inocência de Douglas. Depois que descreve, chorando, como ajudou o pai a salvar um pouco do que tinham, o menino endurece o olhar e faz cobranças para o poder público. Pergunta: "Como deixaram isso acontecer ? Todo mundo sabia que as barragens podiam estourar e ninguém fez nada. E agora ?" Ele faz uma pausa para enxugar outra lágrima teimosa e completa: "Agora não adianta fazer fiscalização. A água já levou tudo que a gente tinha." É... o pequeno Douglas está aprendendo, da pior maneira possível, que nossos políticos, nossos orgãos de fiscalização, enfim, que nossas 'autoridades', raramente pensam no bem estar coletivo. Que elas quase nunca agem pensando no conforto e na segurança dos cidadãos. Que as 'autoridades competentes' adoram luzes, câmeras e microfones e sabem fazer discursos recheados de hipocrisia. Que amam ganhar passagens aéreas, empregar parentes e amigos e se lixam para o povo. E que isso acontece em Altamira, em Belém, em São Paulo, Brasília e em quase todos os cantos deste imenso e belo país. Douglas está menos inocente, no sentido de não confiar tanto no que as pessoas dizem. Ele aprendeu uma nova e dura lição. Que outros muitos milhões de adultos brasileiros infelizmente ainda não aprenderam.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Outra piada pronta ?

Certo está o Zé Simão quando diz que este é o país da piada pronta. Olha só a manchete postada agorinha pela Folha Online:

"Daniel Dantas recorre ao STF para ficar calado em depoimento à CPI"

"O banqueiro Daniel Dantas, do Opportunity, recorreu ao STF (Supremo Tribunal Federal) para ficar calado durante depoimento para a CPI das Escutas Clandestinas da Câmara, marcado para quinta-feira (16). Dantas é investigado na Operação Satiagraha, que apura supostos crimes financeiros atribuídos ao banqueiro."

Bem, o que vocês acham que vai acontecer ? Um doce para quem acertar! Só para refrescar a memória de todos, o presidente do STF se chama Gilmar Mendes. O mesmo que, em plena madrugada, foi pródigo em conceder habeas corpus para Daniel Dantas. E foi do STF também que saíram ordens de soltura para a dona da Daslu, para a turma da Camargo Correia, enfim, para todos os endinheirados que foram parar atrás das grades.

A propósito, dia desses, o Fernando Lyra, ex-ministro da Justiça no governo FHC, deu uma entrevista e disse algumas coisas sobre Gilmar Mendes:

"O presidente do Supremo está falando demais. Demais mesmo, muito mais do que seria prudente e desejável. Ele comenta todos os casos, principalmente os crimes que envolvem a elite."

"Ele se porta como se fosse a maior autoridade no Brasil, coisa que ele não é. Ele é, circunstancialmente, presidente de um poder. E eu não vejo ele se pronunciar sobre essa mortandade, sobre essa matança toda no Brasil."

"A opinião pública se confunde, não consegue entender porque ele se pronuncia sempre em relação a juízes, policiais, promotores, enquanto não toca no assunto dos réus. Ele fala o tempo todo sobre o Brasil de cima, mostra suas preocupações com isso, enquanto no Brasil de baixo nunca se sabe quem morreu, assim como não se sabe quem matou."

"Essa situação de hoje é a explicitação do apartheid. Os crimes que a ele parecem interessar são os da elite, onde surge a elite, o resto é abandonado ao silêncio, como se todos os mortos fossem apenas criminosos. Mas alguém aí sabe quem matou, quem morreu? Alguém investigou, verificou, confirmou? E já que é pra falar, alguém falou?"

É, Fernando Lyra dá um tapa na cara da justiça. Se bem que, nos tempos dele como ministro, a Polícia Federal também não prendeu ninguém, viu ? Embora diga verdades, é o roto falando do rasgado.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Afinidades entre nós e eles

Tipos 'pra não dizer que não falei das flores'. Recebi este link de um amigo chamado Claudionor Pecorari. Como o nome denuncia, ele próprio descendentíssimo (será que existe esta palavra ?) de italianos. É pra dar risada e também para pensar: será que nós brasileiros, não somos todos descendentes de italianos ??? Click abaixo e veja se descobre afinidades entre nós e eles. Eu vi um monte!!
http://tcc.itc.it/people/rocchi/fun/europe.html

terça-feira, 7 de abril de 2009

Bangladesh - Urinando no congestionamento


Bangladesh é realmente diferente de tudo que já imaginei conhecer. E este país até meio surreal se revelou, para mim, bem antes do que poderia imaginar. Embarcamos em Bangkoc, numa companhia aérea chamada Biman (Bangladesh Airlines). E olha, se você acha que já voou, no Brasil, em uma sucata, então não tem idéia do que é realmente uma sucata. Pensa num ônibus velho. Com assentos rasgados, cinzeiros soltos, bagageiros que não fecham... Pensou ? Então é mais ou menos isso. As turbulências, meu amigo, num céu de brigadeiro, podem até quebrar a espinha de algum passageiro adormecido. E o vôo dura seis horas! Então, quando desembarcamos, foi um alívio. Mas não poderia imaginar o que nos esperava no trajeto entre o aeroporto e o hotel. Vocês talvez nem acreditem. Porque é um realismo meio absurdo. Surreal mesmo. Primeiro, porque, como no Brasil não existe representação diplomática de Bangladesh, você tem que tirar o visto no próprio aeroporto. O sujeito que nos recebeu, num escritório bem acanhado, ficou visivelmente feliz quando soube que éramos brasileiros. E em Bangladesh, como no Iêmen, e em qualquer lugar do terceiro mundo, a palavra 'brasileiro' abre muitas portas. O que mais se ouve é: "Brasil, Ronaldino, Kaka, number one!!" Bendito futebol, viu ? Claro que, com essa simpatia toda, mais um agrado, é possível abrir até fronteiras. O nosso gentil anfitrião não teve nenhum pudor em, depois de verificar nossos passaportes, perguntar, sorridente, num inglês titubeante: "temos gorgeta, temos gorgeta ?" Claro que temos! E vinte dólares fizeram o gordinho moreno de bigodes e cabelos lisos nos livrar de todo e qualquer desembaraço alfandegário. Até o raio-x ficou para trás. Ele, soberano, manda prender e manda soltar naquele aeroporto. E como gostou de nós, abriu caminho até a porta de saída do aeroporto. E aí vem a segunda parte. Meus amigos de bar, o aeroporto de Dahka, capital de Bangladesh, não empata com nenhum aeroporto brasileiro que eu conheça. E olha que eu conheço muito aeroporto meia-boca no Brasil. Pois este perde até para algumas rodoviárias brasileiras. Apesar de ter ar condicionado, é cheio de pernilongos. Não tem sequer lojas, bares, etc. Até porque o país é majoritariamente muçulmano. E em país muçulmano não se vende bebida alcoólica. Então, pra que bar, não é mesmo ? E quando você sai do aeroporto, o que te espera são táxis que parecem saídos daquelas competições onde os carros ficam batendo uns nos outros. Sei que parece exagero, mas é a pura verdade! Carros amassados até a medula! Ou até a rebimboca da parafuseta! Mas não precisamos pegar taxi. Tínhamos uma van esperando por nós. Sem ar condicionado, evidentemente, apesar do calor senegalesco as 8 da noite. Encarapitados atrás da van, com todos os vidros abertos, descobrimos rapidamente que as ruas e avenidas de Dahka mais se parecem com pistas de competição! Olha, descrever o trajeto entre o aeroporto e o hotel é impossível! Sei que, depois de alguns minutos, você começa a acreditar que nunca existiu nenhuma regra de trânsito no mundo. Que todos podem cortar as faixas, passar em sinais vermelhos, dar fechadas radicais, enfim, ignorar toda e qualquer norma e regra, não só de trânsito, mas de relacionamento, de sobrevivência. O auge de tudo aconteceu quando o motorista parou num dos congestionamentos (que existem em qualquer hora e qualquer lugar de Dahka) e desceu do carro! Não satisfeito, se instalou tranquilamente atrás de um poste e deu uma urinada de fazer inveja. Claro que, durante esse tempo, o sinal abriu, o trânsito andou... Muitos carros buzinaram insistentemente atrás de nós. E nosso motorista lá, tranquilo, absoluto, senhor da situação... na mijada do século. Bem... demoramos duas horas para chegar ao hotel. Acho que a média não passou de quinze quilômetros por hora. No dia seguinte, eu descobriria que nosso motorista, apesar da invejável mijada, tinha sido incrivelmente rápido. É que o trânsito de Dahka está, realmente, acima de qualquer coisa que você tenha sonhado. Claro, 'sonhado', no pior de seus sonhos. Depois eu conto mais sobre o 'formigueiro humano' de Bangladesh. Ah, e também sobre a maior praia do mundo, que estou devendo desde a primeira postagem.

Ecos da Ditadura II

No último domingo foi ao ar, no programa 'Domingo Espetacular', reportagem que fiz repercutindo o uso da palavra 'ditabranda', em editorial publicado pela Folha de São Paulo. 'Ditabranda' seria, para os editorialistas da Folha, uma ditadura não tão dura assim. A palavra até permite pensar em um regime brando, meigo, amigo, aceitável. Fiquei pensando... Será que também existem regimes que podem ser chamados de 'democraduras' ? Alguém sabe se existe ? Será que tem ? Bem, o fato é que, apesar de um tempo razoável (13 minutos), nunca é possível, numa reportagem de tv, retratar os personagens com todas as suas angústias, dores e lembranças. O tempo não permite que se coloque o depoimento na íntegra. Foi por isso que postei, em 01/04, 'Ecos da Ditadura', transcrevendo a entrevista de Ieda Seixas. Desta vez transcrevo trechos da entrevista concedida por Rose Nogueira, que tambem foi torturada nos porões do DEOPS, em São Paulo. Rose é jornalista. Foi presa em 04 de novembro de 1969. Na época, ela tinha 23 anos e trabalhava como repórter para a 'Folha da Tarde', que pertencia ao grupo Folha. Rose tinha tido um filho apenas um mês antes da prisão. Ficou sem vê-lo por longos nove meses. Tempo em que ficou presa. Tempo em que foi torturada. Conheça um pouco mais da história de Rose Nogueira. Por ela mesma.

- "Eu estava numa sala, um dia, com a porta aberta. Ele (o torturador) tirou a minha roupa e me dava beliscões, me torcia inteira. Eu fiquei inteiramente preta, principalmente nas nádegas. E aí veio um outro, que entrou e ajudou. Juntos! Isso durou, não sei, uma eternidade. Eu era torturada, machucada, porque cheirava a leite azedo... Tinha dado à luz um mês antes... Isso incomodava eles..."

- "Teve um dia que um guarda lá, que era polícia do exército que ficava lá no corredor, acho que ficou com pena, trouxe um inseticida pra gente. Pra mim e pra Elza. Nós jogamos ali, tinha mais de duzentas baratas que nós matamos. Aí ficou aquele cheiro de barata morta e eles não vinham recolher. Você imagina... uma pessoa recém parida numa situação dessas..."

-"Como ainda sangrava, e me deixaram cinquenta dias sem tomar banho, acabei pegando uma infecção muito forte. E ninguém me socorria. Eles pensaram que eu fosse morrer... Quando me mandaram para o hospital, acharam que eu não voltaria. Não voltaria viva, entende ?
Sobrevivi. Mas nunca mais pude ter filhos..."

- "Quando saí da prisão fui até o jornal onde, eu achava, ainda trabalhava... Mas estava tudo muito diferente da 'Folha da Tarde' que eu tinha deixado quando eu fui ter o bebê. Já era uma coisa sombria...Várias pessoas fizeram que não me conheciam... Foi um horror. Um horror, um horror...

- "Mais tarde descobri que tinha sido demitida. O motivo alegado por eles ? Abandono de emprego. Mas eles sabiam que eu tinha sido presa. Sabiam disso o tempo todo. No dia nove de dezembro, que é quando eles me deram abandono de emprego, era exatamente o dia em que eu estava sendo mais pressionada, torturada e machucada."

- "Eu fui julgada, junto com vários outros, meu marido e vários outros, fui julgada e fomos absolvidos. Quer dizer, ao final disso tudo, de todo esse sofrimento, eu fui absolvida! O governo recorreu, o governo militar, e fui absolvida de novo. E eu não sei se tinha segunda ou terceira instância. Eu sei que cinco anos depois veio a confirmação da minha absolvição. Muito bem! A ditadura me absolveu. Então, porque a folha precisava me punir?"

- "Quando eu li aquilo (ditabranda) eu chorei, chorei. Eu fico emocionada até agora. Sabe por quê? Porque eu me senti mais desrespeitada ainda. Como? Como? Era o meu jornal! Você é jornalista como eu. Você defende o seu jornal. Entende? Mesmo que você saiba que ele é o patrão e você é o empregado. Você defende o seu jornal, você gosta dele! E aí, quando eu vi, ditabranda, eu falei... Meu Deus, eles ficaram loucos."

- "Eu fiquei muito triste... É como se a gente tivesse sendo punida de novo. Entende? Desrespeitada de novo. E eu já falei isso pra você, né? Que eles, os torturadores, riam de mim porque eu tinha leite, porque sangrava. E era mais ou menos rir de novo. Alguém rindo da minha história..."

sábado, 4 de abril de 2009

Maquiagem na informação

Não sei se vocês se lembram de uma propaganda feita para a Folha de São Paulo, anos atrás. Era muito bem feita. Um primor de criatividade. Um narrador dava informações positivas a respeito de uma pessoa e um rosto ia lentamente se desenhando no vídeo. No fim, aparecia a sinistra figura de Hitler. E o narrador completava: "É possível contar um monte de mentiras, dizendo só a verdade. Por isso, é preciso tomar muito cuidado com a informação no jornal que você recebe."
Se você nunca viu ou não se lembra, clique no link abaixo e veja a propaganda:

http://www.youtube.com/watch?v=6t0SK9qPK8M

Porque postei isso ? Porque esta semana vi dois exemplos, um deles na própria Folha, de como algumas 'verdades' podem ser distorcidas para que a notícia seja maquiada e ganhe uma outra conotação. O primeiro foi um anúncio da revista 'Caras', comemorando o segundo lugar de Rubens Barrichello em Melbourne. Como Barrichello estampou um pequeno anúncio da 'Caras' no capacete, a revista resolveu capitalizar. E fizeram o anúncio de página inteira. Dizendo, entre outras coisas, que Barrichello, sim, é o 'cara', porque:

- Foi protagonista, em Melbourne, da primeira dobradinha de uma equipe estreante
- Nenhum outro piloto disputou tantos Gps como ele (273)
- É o quarto piloto com mais pódios na história (63). Ele superou o escocês David Coulthard, que se aposentou no ano passado, e só está atrás de Michael Schumacher (154), Alain Prost (106) e Ayrton Senna (80).
- É o quinto com mais pontos (538). Além de Schumacher (1.369), Prost (798,5) e Senna (614), o piloto da Brawn GP está atrás de Alonso, que tem 554.

Olhando assim, o leitor deve pensar que se trata de um fenômeno das pistas. Mas tudo não passa de um mirabolante jogo de palavras e idéias. Todas as informações são verdadeiras, mas o que se esconde por trás delas revela que Barrichello, na verdade, nunca passou de um piloto medíocre. A análise fria dos números desmonta a propaganda, item por item. Olha só:

-Ser protagonista de uma dobradinha em estréia não é mérito. É sorte. Ainda mais porque o pódio caiu no colo dele, por causa de um acidente que tirou dois carros da corrida. Tipos, estar no lugar certo na hora certa.

- Barrichello é 'interminável' na Fórmula Um mas, a rigor, nunca foi protagonista de nenhuma equipe. E só é 'interminável' porque convém às equipes ter um coadjuvante bonzinho. Daqueles que tiram o pé quando o patrão pede, entende ?

- Quarto com mais pódios. Ok. Acontece que, em 273 Gps, ele venceu apenas 9. Fez apenas 13 poles. E correu 5 anos com uma Ferrari. Isto é ser vencedor ?

- Quinto com mais pontos. Que diferença isso faz ? A história aponta apenas para quem chega na frente. Para os vencedores. E Barrichello não é um vencedor. Sem contar que, no meu ponto de vista, um sujeito que assina contrato com cláusula onde abre mão de vencer não é esportista. É mercenário.

Entenderam o jogo dos números ? O que se esconde por trás deles ?
Então, vamos em frente.

O segundo caso de distorção se deu na coluna de Daniel Castro, na Folha de São Paulo.
Veja bem: não tenho nenhuma procuração para defender a Rede Record. Mas observe como existe realmente (desculpe a rima rica) uma manipulação na informação.

A coluna informa que "após dois meses consecutivos de crescimento na Grande SP, a Record perdeu o embalo e caiu em março." E tenta sustentar a informação através dos números do Ibope:"A emissora, que tinha 7,1 pontos de média diária (7h/0h) em dezembro, subiu para 7,6 em janeiro e para 8,2 em fevereiro. Em março, fechou com 7,7, uma queda de meio ponto, ou 6%."

Espera aí! A notícia aqui é outra! Se a Record tinha 7,1 pontos em dezembro e fechou em março com 7,7 pontos, então houve um crescimento de 6 décimos! Ou não ?? Percebem como o crescimento pode ser tachado tambem como queda ?

E a coluna acrescenta: "A Globo, aparentemente, conseguiu estancar sua queda. Em março, teve média diária de 16,8 pontos, um décimo a mais que em fevereiro. Já o SBT manteve sua curva descendente e a Band, ascendente."

A coluna poderia concluir, então, que no mesmo período, a Record cresceu 6 décimos, e a Globo, apenas 1. Ou não ? Tudo depende de quem você quer atacar. Ou agradar. E porquê Daniel Castro compara os números da Record entre dezembro e março, e os da Globo, entre fevereiro e março ??

E não é tudo! A coluna termina com o seguinte parágrafo:
"Ontem, o programa 'Dia Dia' teve o seu melhor desempenho e ficou um ponto atrás da Globo que exibia o 'TV Globinho'. O programa apresentado por Lorena Calábria, Patrícia Maldonado e Daniel Bork alcançou pico de 3 pontos contra 4 da Globo. As outras emissoras marcavam 5 e 6 pontos - SBT e Record respectivamente. Os dados foram arredondados."

Péra lá, de novo! Não é preciso ser nenhum gênio para perceber que tem algo de podre no reino da ditabranda. A releitura é a seguinte: A Record ficou em primeiro, com 6 pontos. SBT em segundo, com 5. Globo em terceiro, com 4. E Bandeirantes em quarto, com 3.

Isto posto, clique de novo no link, reveja a brilhante propaganda criada pela agência W/Brasil, do genial Washington Olivetto, e responda: a quem ela se aplica, hoje em dia ?

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Alô ? Com quem eu falo ?

Acontece cada uma, viu ? Imagine a situação: o sujeito, chegando exausto depois de um dia daqueles, onde o que pode dar errado dá errado, é obrigado a atender ao celular, que toca insistentemente. O sujeito atende e do outro lado a voz desconhecida diz o seguinte: "Olá, boa noite, meu nome é Márcio e sou consultor da Claro. Queria falar com o senhor..." Nosso personagem então responde, com um tom acima do normal: "Olha, meu amigo, estou bastante ocupado agora e não posso falar com você." Então a voz desconhecida replica, com um tom totalmente irado: "Pois então eu vou procurar alguém que não esteja ocupado para não perder meu tempo com você!!!" É inacreditável, não é ? Pois foi exatamente o que aconteceu comigo há dois dias. E dei muita risada porque foi a primeira vez na vida que consegui irritar, embora sem querer, um desses consultores que se acham no direito de importunar os outros a qualquer hora do dia ou da noite. É por isso que a ação do Procon-SP, que permite bloquear as chamadas de telemarketing, chega em boa hora. Veja a matéria abaixo e dê adeus às ligações indesejadas!

http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2009/04/03/ult5772u3484.jhtm

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Pobre Tasso

Olha só esta matéria publicada hoje pela Folha de São Paulo. Depois veja, mais abaixo, algumas informações sobre o cacique do PSDB.

Tasso paga avião fretado com dinheiro do Senado

"O senador Tasso Jereissati (PSDB-CE) tem o hábito de usar parte de sua verba oficial de passagens aéreas para fretar jatinhos que são pagos com recursos do Senado, informa reportagem de Fernando Rodrigues e Fábio Zanini, publicada nesta quinta-feira pela Folha.
O ato da direção da Casa que regula o benefício não permite esse tipo de procedimento, mas o tucano diz ter obtido autorização especial para fazer as suas viagens.
Entre 2005 e 2007, Tasso gastou R$ 335 mil. Depois, as despesas foram publicadas sem registro de seu nome. De lá para cá, foram mais R$ 134 mil, totalizando R$ 469 mil, segundo o Siafi (sistema de acompanhamento do Orçamento). Tasso admite os gastos, mas somente de R$ 358 mil. O senador tem seu próprio avião, um jato Citation, mas afirma que recorre a fretamentos quando o seu não está disponível. Ele diz que a autorização foi obtida após o envio de ofícios para o então diretor-geral da Casa, Agaciel Maia. As brechas foram autorizadas pessoalmente pelo primeiro-secretário da Casa entre 2005 e 2008, Efraim Morais (DEM-PB), sem consulta à Mesa Diretora. "

Então tá. Para quem não sabe, além do jatinho Citation, Tasso Jereissati é dono da maior fortuna do Ceará e, off course, pertence à uma das famílias mais ricas do Brasil. O Grupo Jereissati fatura cerca de 3 BILHÕES de reais por ano com vários empreendimentos. Eles incluem uma participação na Telemar e controle da maior cadeia de shopping centers da América Latina, o grupo Iguatemi (são 11 shoppings e a previsão é que este número chegue a 20 até 2013); possuem várias usinas de açúcar e álcool no Ceará; são proprietários do grupo Verdes Mares, que controla duas rádios e uma TV no Ceará (afiliada da Rede Globo), uma rádio no Rio de Janeiro e outra em Alagoas; donos do Moinho Cearense, empresa de óleos, farinhas e conservas, que briga pau a pau com gigantes do ramo, como Bunge e Cargill. Mas, por causa da crise, Tasso usa, desde 2005, o seu, o meu, o nosso dinheiro para viajar de avião. Tem base ?

quarta-feira, 1 de abril de 2009

Ecos da Ditadura

Durante 21 anos, o Brasil viveu sob um regime ditatorial. Que hoje alguns chamam de 'regime de exceção'. No começo da década de 70, quando o regime endureceu, eu ainda era criança. Mas me recordo de algumas coisas. Como da obrigação de cantar o hino nacional, de frente para a bandeira, todas as manhãs, no pátio do escola. Me lembro que, durante o inverno, todos ficavam tremendo de frio. Me lembro também do medo que todos em Cabo Verde (minha cidade natal, em MG), principalmente as crianças, sentiam dos terroristas. Terrorista, para mim, era muito pior do que bicho-papão e mula sem cabeça. Realmente, a propaganda oficial trabalhava bem no interior do País... E continuou trabalhando bem durante décadas, porque demorou um bocado para eu descobrir que os 'terroristas' eram, na verdade, brasileiros que lutavam contra um determinado regime. Acho que este capítulo nefasto da história brasileira ainda não é bem contado nas escolas e colégios. Aliás, nem sei se é contado. Semana passada, tive, pela primeira vez, contato direto com pessoas que sofreram nos porões da ditadura brasileira. E os relatos me impressionaram muito. Os personagens que conheci contaram, em detalhes, como foram presos. E o que passaram nas prisões. Uma destas pessoas se chama Ieda Seixas. Ela tem hoje 61 anos. Tinha 22 quando foi presa, com toda a família, no outono de 1971. O crime de Ieda era o de ser filha de Joaquim Alencar de Seixas, um mecânico que contestava o regime militar. Joaquim foi preso no dia 16 de abril e morto, sob tortura, um dia depois. Ieda continuou na prisão por mais dezoito meses. Transcrevo abaixo trechos da entrevista que Ieda me concedeu. Memórias que falam de dores, perdas e escuridão.

– "Fiquei um ano e meio presa, como a minha irmã também ficou, e nós não éramos nem militantes. Passei quase um mês na Operação Bandeirantes me sentindo aquela judia de campo de concentração. Tomaram tudo o que era nosso, tudo. As alianças, as jóias, os livros. Tudo foi tomado da gente. Em nome do quê? Da segurança nacional? Desde quando que o meu livro de faculdade atentava contra a segurança nacional? Não, não. Isso eu não admito. E o ódio que eu tenho de alguém que escreve que a ditadura foi branda ela extrapola. Extrapola. Extrapola!"

- "Me separaram da minha mãe e da minha irmã e me colocaram num banheiro... Era um banheiro comprido que tinha um chuveiro que tinha um saco amarrado porque estava vazando. Uma pia no canto e uma cama que era só uma tela e um cobertor. E eu fiquei ali alguns minutos e depois entraram vários homens. Eu me lembro que um sentou na minha frente e ele batia na minha cara... E até hoje eu não entendo porque que ele batia tanto na minha cara. Aí sentou um sujeito do meu lado que eu não sei quem é. E lembro que do outro lado sentou um sujeito chamado Davi dos Santos Araújo, que é um delegado do DEIC, da policia civil. E esse homem achou por bem abusar sexualmente de mim."

-"Me doparam para tirar o corpo do meu pai de lá de dentro. E me deram, me deram um copo com leite. Eu não sei o que continha. Eu sei que era extremamente doce e me deram... Eu apaguei e acordei só no outro dia. E foi exatamente no dia, na noite que tiraram o corpo do meu pai... Meu pai morreu no dia dezessete, seis horas da tarde. Porque a minha mãe viu e ouviu ele morrer. E viu jogarem o corpo dele dentro do camburão."

- "A dor física passa, a dor na alma não. A única coisa que esses desgraçados não tiraram de mim foi a dignidade e a alegria... (Ieda chora) Embora eu chore quando falo desse assunto. E vou chorar sempre. Porque eu não sei o que se passou na cabeça do meu pai enquanto ele estava sendo torturado e sabendo e ouvindo a voz da gente ali. Porque eu sei onde ele estava naquele momento, e ele ouviu a voz da gente. E o meu pai era uma pessoa dedicada à família. Então pra ele deve ter sido muito duro saber que os filhos estavam presos, que as filhas dele estavam presas. Ele ouviu a nossa voz."

-"Eu ouvi... vi e ouvi um menino que deveria ter uns treze anos, que eu não sei quem é, ser torturado. Eu vi esse menino no pátio e depois eu vi ele subir e ele foi torturado e morto. E nós já reviramos todos os documentos. Não se sabe quem é... ele devia ter uns treze anos. Porque era muito franzino, sem barba, uma criança. E torturaram esse menino até a morte."

- "Aonde você estava quando a luz apagou ? Quando a luz apagou nesse país eu sei que eu fiquei no quarto escuro. Eu não fiquei na casa grande, na sala grande não. Porque podem se passar mil anos, se eu vivesse, os gritos estão na minha cabeça. Porque independente do que fizeram comigo, o grito daquelas pessoas, daqueles jovens, velhos, mulheres que foram torturadas enquanto eu estive na Operação Bandeirantes, eles nunca vão sair da minha cabeça."