terça-feira, 7 de abril de 2009

Ecos da Ditadura II

No último domingo foi ao ar, no programa 'Domingo Espetacular', reportagem que fiz repercutindo o uso da palavra 'ditabranda', em editorial publicado pela Folha de São Paulo. 'Ditabranda' seria, para os editorialistas da Folha, uma ditadura não tão dura assim. A palavra até permite pensar em um regime brando, meigo, amigo, aceitável. Fiquei pensando... Será que também existem regimes que podem ser chamados de 'democraduras' ? Alguém sabe se existe ? Será que tem ? Bem, o fato é que, apesar de um tempo razoável (13 minutos), nunca é possível, numa reportagem de tv, retratar os personagens com todas as suas angústias, dores e lembranças. O tempo não permite que se coloque o depoimento na íntegra. Foi por isso que postei, em 01/04, 'Ecos da Ditadura', transcrevendo a entrevista de Ieda Seixas. Desta vez transcrevo trechos da entrevista concedida por Rose Nogueira, que tambem foi torturada nos porões do DEOPS, em São Paulo. Rose é jornalista. Foi presa em 04 de novembro de 1969. Na época, ela tinha 23 anos e trabalhava como repórter para a 'Folha da Tarde', que pertencia ao grupo Folha. Rose tinha tido um filho apenas um mês antes da prisão. Ficou sem vê-lo por longos nove meses. Tempo em que ficou presa. Tempo em que foi torturada. Conheça um pouco mais da história de Rose Nogueira. Por ela mesma.

- "Eu estava numa sala, um dia, com a porta aberta. Ele (o torturador) tirou a minha roupa e me dava beliscões, me torcia inteira. Eu fiquei inteiramente preta, principalmente nas nádegas. E aí veio um outro, que entrou e ajudou. Juntos! Isso durou, não sei, uma eternidade. Eu era torturada, machucada, porque cheirava a leite azedo... Tinha dado à luz um mês antes... Isso incomodava eles..."

- "Teve um dia que um guarda lá, que era polícia do exército que ficava lá no corredor, acho que ficou com pena, trouxe um inseticida pra gente. Pra mim e pra Elza. Nós jogamos ali, tinha mais de duzentas baratas que nós matamos. Aí ficou aquele cheiro de barata morta e eles não vinham recolher. Você imagina... uma pessoa recém parida numa situação dessas..."

-"Como ainda sangrava, e me deixaram cinquenta dias sem tomar banho, acabei pegando uma infecção muito forte. E ninguém me socorria. Eles pensaram que eu fosse morrer... Quando me mandaram para o hospital, acharam que eu não voltaria. Não voltaria viva, entende ?
Sobrevivi. Mas nunca mais pude ter filhos..."

- "Quando saí da prisão fui até o jornal onde, eu achava, ainda trabalhava... Mas estava tudo muito diferente da 'Folha da Tarde' que eu tinha deixado quando eu fui ter o bebê. Já era uma coisa sombria...Várias pessoas fizeram que não me conheciam... Foi um horror. Um horror, um horror...

- "Mais tarde descobri que tinha sido demitida. O motivo alegado por eles ? Abandono de emprego. Mas eles sabiam que eu tinha sido presa. Sabiam disso o tempo todo. No dia nove de dezembro, que é quando eles me deram abandono de emprego, era exatamente o dia em que eu estava sendo mais pressionada, torturada e machucada."

- "Eu fui julgada, junto com vários outros, meu marido e vários outros, fui julgada e fomos absolvidos. Quer dizer, ao final disso tudo, de todo esse sofrimento, eu fui absolvida! O governo recorreu, o governo militar, e fui absolvida de novo. E eu não sei se tinha segunda ou terceira instância. Eu sei que cinco anos depois veio a confirmação da minha absolvição. Muito bem! A ditadura me absolveu. Então, porque a folha precisava me punir?"

- "Quando eu li aquilo (ditabranda) eu chorei, chorei. Eu fico emocionada até agora. Sabe por quê? Porque eu me senti mais desrespeitada ainda. Como? Como? Era o meu jornal! Você é jornalista como eu. Você defende o seu jornal. Entende? Mesmo que você saiba que ele é o patrão e você é o empregado. Você defende o seu jornal, você gosta dele! E aí, quando eu vi, ditabranda, eu falei... Meu Deus, eles ficaram loucos."

- "Eu fiquei muito triste... É como se a gente tivesse sendo punida de novo. Entende? Desrespeitada de novo. E eu já falei isso pra você, né? Que eles, os torturadores, riam de mim porque eu tinha leite, porque sangrava. E era mais ou menos rir de novo. Alguém rindo da minha história..."

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