terça-feira, 19 de maio de 2009

Asneiras fenomenais

Resisti o quanto pude para não dar nenhum pitaco sobre Ronaldo, mas agora não tem mais jeito: vou entrar na ciranda. Antes, preciso alertar que sempre fui fã incondicional do Fenômeno. E continuo sendo. Durante o tempo que escrevi, como colunista, para o excelente site 'Bolarolando', deixei isso muito claro. A história dele é cinematográfica. Cheia de dramas, reviravoltas, recomeços e, principalmente, vitórias. Claro que, por ser carioca e declaradamente flamenguista, sempre houve um ou outro jornalista de São Paulo que torcia o nariz quando o assunto era Ronaldo. Mas bastou o cara desembarcar no Corinthians para todo mundo se transformar em 'ronaldista' desde criancinha. E ninguem se atreve a contestar nada que o cara fala. Tudo que vem de Ronaldo é legal, engraçado, inteligente ou cativante. Ronaldo fala e todos concordam. Acham o máximo. É uma babação de ovo que não tem fim! Pois bem. Sei que vou nadar contra a correnteza, mas essa deve ser a postura de quem fala o que pensa. E penso que ele tem dito asneiras fenomenais. A maior de todas foi dita na sabatina da Folha de São Paulo. A pergunta era sobre o filho dele, Ronald, de 9 anos. Ronaldo disse o seguinte:

"Prefiro que o Ronald seja criado na Espanha. A mãe dele também prefere. Aqui no Brasil, as crianças da idade dele, de 9 anos, já tem um palavreado malandro. Lá, ele não fala nenhum palavrão. É um doce de menino, praticamente um europeu.

Nesse momento, uma mulher grita, na platéia: "Ele é brasileiro!"

Ronaldo prossegue:

"É brasileiro, mas eu prefiro que tenha amiguinhos europeus, sem a malandragem dos amiguinhos brasileiros. A gente quer sempre o melhor pros filhos, e eu, podendo escolher, prefiro que ele tenha educação europeia."

Que Ronaldo prefira uma educação européia, tudo bem. Inquestionável que ele, como todos os pais, queira o melhor para o filho. O que não pode é um sujeito como ele, ídolo de milhões de crianças no mundo todo, dizer que o filho "é um doce de menino, praticamente um europeu". E "prefiro que tenha amiguinhos europeus, sem a malandragem dos amiguinhos brasileiros". São pensamentos preconceituosos. Será que no Brasil todas as crianças são 'malandras' ? Será que na Europa só existem crianças virtuosas ? Será que o 'doce' Ronald se tornará um criminoso ou um malandro se conviver com amiguinhos brasileiros ? Para Ronaldo, parece não haver dúvidas quanto a isso. Eu, do lado de cá, acho um absurdo uma declaração dessas. Até porque tive a felicidade de ter, na infância, amigos que moravam numa casa onde o piso era de terra batida. E aquele chão era varrido todos os dias. Várias vezes por dia. Quantas vezes almoçamos juntos, sabendo que não poderíamos repetir, porque a comida (arroz, feijão e angu) não daria pra tanto. E ninguém, Ronaldo inclusive, tem idéia de como tudo isso me ajudou a conhecer e cultivar novos valores. Que, tenho certeza, nenhuma escola ou amigos europeus teriam me propiciado. Não sou contra o ensino em outros países. Se um dia tiver condições, ficarei feliz vendo meus filhos estudando no exterior. Mas antes eles conhecerão a realidade do país onde nasceram. Farão muitos amigos por aqui. Jamais negarão a origem. E, espero, não se deixarão influenciar por nenhum 'brahmeiro' famoso. Por mais gols e genialidade que ele tenha mostrado nos gramados.


Clique abaixo para ver o vídeo onde Ronaldo manifesta sua opinião.
http://noticias.bol.uol.com.br/esporte/2009/05/15/ult951u237.jhtm

quinta-feira, 14 de maio de 2009

As várias vítimas de um mesmo crime

A doença do momento é a gripe suína, ou gripe A, como rebatizaram agora. Mas nenhuma pandemia foi ou é mais potencialmente mortal do que a Aids. Simplesmente porque, apesar de várias e eficientes formas de prevenção, o contágio continua incontrolável. E a doença ainda é incurável. No entanto, a Aids é relegada a um segundo plano na mídia. O motivo ? Ibope! É isso mesmo! Não que o Instituto que mede a audiência (será que mede mesmo ?) impeça a divulgação, nada disso! É que reportagens sobre a doença ou sobre HIV positivos despencam no Ibope. É fato! Ninguem sabe se os telespectadores não gostam do tema, mas o fato é que o rejeitam. E, infelizmente, o jornalismo também é refém da audiência. O Domingo Espetacular, porém, ainda tenta vencer esta resistência e está produzindo uma reportagem sobre o assunto. A matéria está sendo feita por uma equipe do Rio de Janeiro mas fui chamado para contribuir, fazendo uma entrevista no CDP (Centro de Detenção Provisória) em Americana, no interior de São Paulo. O entrevistado é soropositivo. Um homem de 45 anos. Açougueiro. Pessoa simples. Do bem, pelo que pude perceber na entrevista. Ele contraiu o vírus mantendo relações com a própria esposa que, por sua vez, tinha sido contaminada através de uma transfusão de sangue. Feita num hospital público. Bem, este nosso personagem está preso há seis meses e vai ser julgado por tentativa de homicídio. O crime que ele cometeu ? Contaminou outras duas mulheres. A história é longa, mas vou resumir. A esposa dele morreu dois anos depois da contaminação. Ele fez exames para ver se estava com HIV mas, com medo, não foi pegar os resultados. E voltou a namorar. E, nestes namoros, contaminou as namoradas. E agora está sendo processado por elas. Uma promotora levou as denúncias adiante. E uma juíza acolheu as denúncias. E o homem está preso, aguardando julgamento. Julgamento que vai dar o que falar. Porque existem muitas perguntas subjetivas envolvidas. Ele é culpado pela contaminação das moças ? Claro que sim. Mas ele queria matá-las ? Eis a questão. Ele diz que as contaminou por ignorância. Achava que a contaminação só aconteceria se houvesse ejaculação. E, por isso, na hora H, ele ejaculava para fora. O advogado de defesa entende que ele deu azar porque a denúncia foi feita por uma promotora. E caiu nas mãos de uma juíza. Ele acha que houve um certo corporativismo. Mas admite que o cliente cometeu um crime, inclusive previsto no código penal: o de transmitir intencionalmente uma doença contagiosa. Bom, eu, do lado de cá, entendo que ele cometeu um crime. Qual foi, cabe à justiça definir. Agora, a pergunta que não quer calar: e o hospital público onde foi feita a transfusão de sangue ? Ali dentro não foi cometido nenhum tipo de crime ? Será que não estamos falando de várias vítimas e de um único criminoso ?

terça-feira, 12 de maio de 2009

E o Rio continua sendo...

O Rio de Janeiro
Continua lindo
O Rio de Janeiro
Continua sendo
O Rio de Janeiro
Fevereiro e março...

A canção "Aquele abraço", de Gilberto Gil, é uma das mais lindas homenagens já feitas ao Rio de Janeiro. Gosto da música porque, confesso, além da beleza da letra e melodia, sempre tive uma paixão platônica pela cidade. O Rio foi a primeira capital que conheci. Foi lá também que vi, pela primeira vez, o mar. Tardiamente, claro, como cabe a um bom mineiro: já tinha 14 anos quando dei um glorioso mergulho na praia do Flamengo. E levei um caldo daqueles! E é de lá também o time que me faz vibrar e me faz sofrer. Enfim, para mim, o Rio sempre foi lindo. Apesar de todas as imagens, textos, fatos e fotos sobre o cotidiano carioca sempre dizerem o contrário. E bastaram dois dias lá, vivendo o cotidiano de quem precisa de delegacias e delegados, para perceber que a verdade, infelizmente, está com as imagens, textos, fatos e fotos. Que o 'meu' Rio não existe mais. Que, pior ainda, talvez nunca tenha sequer existido. Estive em duas delegacias. A primeira, num lugar chamado Rio do Ouro, mais parece um pardieiro. Uma casa velha, com cômodos pequenos e paredes desgastadas onde ainda se ouve o tec-tec de antigas máquinas de escrever. Na sala do delegado, também pequena, uma mesa atulhada de papéis, uma cadeira e um sofá rasgado compõem o ambiente. Que combina com as roupas de delegados e investigadores. E com o comportamento deles também. Indiferentes, arrogantes, prepotentes. Não conosco, com a nossa equipe, mas com as pessoas que aguardavam no balcão para serem atendidas. E o mesmo se repetiu em outra delegacia, em Bonsucesso. A delegada, investigadores e escrivãos estão, sem dúvida, melhor instalados que seus pares de Rio do Ouro. O prédio é maior, tem portas de vidro, ar condicionado e computador. Mas o tratamento ao público consegue ser pior. Todos devem ter lido as mesmas cartilhas! Quando chegamos na delegacia, as 15:30h, havia várias pessoas esperando atendimento. Nada excepcional, tipos, homicídios, latrocínios... Apenas registro de Bos, relatos de furtos e roubos. Pois bem. Durante o tempo em que ficamos esperando pela entrevista, exatas três horas e dez minutos, apenas duas pessoas foram atendidas. Um escrivão que, decerto acostumado a vida inteira com antigas Olivettis, batia com uma força absurda nas teclas do computador, conseguiu demorar 50 minutos para registrar um boletim de ocorrência. Cinquenta minutos, devidamente cronometrados! Uma outra moça, que teve a bolsa roubada, veio preparada. Trazia nas mãos um papel, com a minuciosa anotação de tudo que havia na bolsa: documentos, cartões, folhas de cheques, etc. De nada adiantou. Quando chegamos, as 15:30h, a moça já estava lá. Quando saímos, as 18:40h, a moça continuava lá. Menos mal que já estava sendo atendida. Mas por um policial que não se constrangia em interromper o que estava fazendo para atender a toda hora o telefone. E até gargalhar de vez em quando. É por isso, amigos de bar, que bastaram dois dias para compreender porque o Rio de Janeiro continua sendo: porque ninguem está nem aí pra nada! E dá-lhe Gilberto Gil...

Todo mês de fevereiro
Aquele Abraço!
Alô moça da favela
Aquele Abraço!
Todo mundo da Portela
E do Salgueiro e da Mangueira
E todo Rio de Janeiro
E todo mês de fevereiro
E todo povo brasileiro
Ah! Aquele Abraço!...