terça-feira, 9 de novembro de 2010

A tragédia silenciosa

Amigos de bar, mais uma vez o balcão ficou vazio por um tempo. Menos mal que só eu me ausentei. Porque, apesar do boteco ter ficado desatualizado, os amigos continuaram frequentando o pedaço. Obrigado mesmo, de coração, pela presença. E entendam, meus caros, que o silêncio faz parte da mineiridade. De vez em quando, períodos de quietude são necessários. Para acalmar a alma e sossegar o facho. Mas chega de filosofia barata. Vamos ao que interessa. Esta semana, no programa Domingo Espetacular, foi exibida uma reportagem sobre um tema muito delicado: a morte de crianças indígenas em aldeias brasileiras. A matéria foi fruto do trabalho incansável do produtor Ricardo Madureira e da edição impecável de Cristiane Massuyama. Mas antes de falar sobre a reportagem, permitam-me um devaneio. Durante anos trabalhei em um programa, veiculado pela Globo de Campinas, que aborda temas como conservação e meio ambiente. Para fazer as reportagens, estive inúmeras vezes na Amazônia. E conheci muitas aldeias indígenas. Este contato com os índios continuou na Record. Quando fiz a reportagem sobre a queda do avião da Gol, por exemplo, foi com a ajuda dos índios, liderados pelo cacique Megaron Txucarramãe, que entrei na área onde estavam os destroços. E já contei aqui no blog tambem como foi bacana conhecer os Iawanawas, nos confins do Acre. Mas confesso que um detalhe sempre me intrigou. Em todas as aldeias que estive, e não foram poucas, jamais vi um índio portador de deficiência (física ou mental). Ou cego. E então pensava com meus botões: 'poxa, como a natureza é sábia. Ela coloca os índios num ambiente hostil mas, ao mesmo tempo, os capacita com o privilégio de não terem deficiências tão comuns ao homem branco'. Agora, depois de alguns meses trabalhando nesta reportagem, descobri que minha avaliação estava completamente equivocada. E era ingênua. Nascem, sim, muitos portadores de deficiências nas aldeias brasileiras. Talvez até mais do que nas cidades, por causa da consanguinidade. Como a população das aldeias é relativamente pequena, parentes proximos entre si acabam se relacionando. O que acontece é que, em muitas destas aldeias, as crianças que nascem com algum tipo de deficiência são mortas. Assim como filhos de mães solteiras, gêmeos, albinos e cegos. Todos são eliminados. Alguns, logo que nascem. Outros, assim que as deficiências ou doenças dão os primeiros sinais. Os gêmeos são mortos porque, segundo a cultura indigena, são frutos de um espírito mau. Algumas etnias matam os dois bebes. Outras matam somente o segundo bebê. Ainda segundo a tradição, para que os maus espiritos não se espalhem pela terra, o último suspiro não pode ser dado ao ar livre. Então, as crianças são afogadas ou enterradas vivas. Existem cerca de duzentos povos indígenas no Brasil. E pelo menos vinte ainda praticam esta perversa tradição. Para fazer a reportagem, estive no Mato Grosso, Paraná e Brasilia. E conheci alguns personagens desta tragédia silenciosa. Pessoas que carregam o estigma de sobreviventes, porque estiveram marcados para morrer. Alguns chegaram a ser enterrados. Foi comovente ouvir o relato de pessoas que arriscaram a vida para salvar pequenos índios condenados. Por quebrar a tradição, estes heróis anônimos foram condenados ao exílio. E vivem longe de suas aldeias. É um erro grave imaginar que os índios não sofrem quando uma criança é morta. Muitos pais preferem se matar, em vez de ver a morte dos proprios filhos. Um grito silencioso de socorro ecoa nas aldeias. E as autoridades se calam. Ninguem da Funai se prontificou a gravar entrevista. Além disso, muitos antropólogos defendem a tese de que não se deve interferir nestas práticas, porque 'a cultura do índio deve ser preservada'. Alguns acham que os índios fazem isso por conveniência. Outros entendem que a prática é, na verdade, uma seleção 'natural' para escolher os mais 'aptos' a sobreviver na selva. Imagino que, entre outras teses, defendam tambem o apedrejamento de mulheres e a mutilação de meninas em paises muçulmanos. Enquanto a sociedade debate, e as autoridades se calam, crianças ainda são mortas em nome da tradição.


A foto que abre o post mostra a índia Muwajii com a filhinha Iganani nos braços. Nesta época elas ainda viviam entre os suruarrás, no sul do Amazonas. Algum tempo depois, Iganani começou a demonstrar sinais de uma doença que mais tarde seria diagnosticada como paralisia cerebral. Foi quando a tribo exigiu a morte de Iganani. Para não matar a própria filha, Muwajii fugiu da aldeia. Hoje ela vive com a filhinha, que é linda, numa Ong em Brasília. Muwajji é uma das personagens desta história. Que acontece desde sempre no Brasil. E desde sempre é ignorada pela imprensa e pela imensa maioria dos brasileiros.

A reportagem completa você pode assistir clicando abaixo.


9 comentários:

  1. Deus! Que barbaridade! É difícil acreditar que possa ocorrer semelhante coisa. Mais difícil ainda é constatar que a própria Funai, responsável pela proteção ( em tese) das populações indígenas nada faça para impedir por alegar não poder interferir na cultura do índio. Tudo bem! É a cultura!Mas se omitir,permitir que crianças sejam mortas em nome de tradições culturais é inconcebível.É um crime maior do que o próprio assassinato.
    Raul, obrigado por nos trazer um tema tão importante, tão polêmico e que é pela maioria de nós, ainda desconhecido.
    Parabéns pela reportagem. Que bom que está de volta.
    Beijo, Luciane- RJ

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  2. "E então pensava com meus botões: 'poxa, como a natureza é sábia. Ela coloca os índios num ambiente hostil mas, ao mesmo tempo, os capacita com o privilégio de não terem deficiências tão comuns ao homem branco'." Sabia Raul, que eu sempre pensei assim também e nunca atinei pra esse tipo de barbárie que acontece até hoje nas aldeias. Quando assisti a reportagem no "DE" fiquei besta!!! Que horror! E saber que as pessoas especiais são tão boas, tão amáveis, tão preciosas, tão raras...
    Mas que bom que você voltou! Some não tá? Senão a cervejinha vai ficar sem gosto.

    Beijo!

    Cássia - Viçosa/MG

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  3. Oi Raul.
    O que vi resumo em uma palavra: atrocidade! Sacrifício humano foi prática das civilizações do passado, é inadmissível que isso aconteça nos dias atuais. As tradições indígenas devem ser respeitadas, mas infanticídio não é cultura. Se as autoridades estivessem tão interessadas em preservar essas culturas não permitiriam a destruição das florestas, a ação de posseiros e grileiros, o avanço dos agricultores e pecuaristas, fazendeiros que ultrapassam os limites das reservas, banindo tribos para outras regiões. Não esquecendo também do garimpo ilegal e dos traficantes. E a Funai? Só se pronuncia quando seus prédios são invadidos e seus funcionários ameaçados? A solução é rapidamente encontrada quando os 'selvagens' atingem os 'civilizados', porém enquanto estiverem destruindo a si próprios, está tudo bem! Parece que não se importam mesmo, afinal índio não gera lucro, nem impostos, nem votos... E a morosidade das autoridades 'competentes'? Quanto tempo levará para que projetos de lei sejam aprovados, e quantos pequenos serão eliminados até lá? Enquanto eles cochilam, inocentes são enterrados vivos! A boa vontade das pessoas que se comprometem em ajudar nos alerta que o governo pode sim solucionar este problema. O tema é triste, mas faz parte da realidade, e o povo brasileiro precisa estar informado, por isso enalteço o trabalho da imprensa. Esse assunto deve ser tocado novamente, debatido e cobrado até que as providências sejam tomadas.
    Agradeço pelo post. Admiro como vc conduz seu trabalho com coragem, competência e seriedade.
    Que Deus proteja sua vida.


    RCCaridade - Vila Velha, ES

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  4. Olá Raul!! Adoro suas reportagens...Parabéns pelo seu trabalho. bjos

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  5. Raul!essa tradição indígena de deletar os seus com limitação é de fato delicada. Pode parecer cruel mas entre os civilizados, poucos são aqueles com necessidades especiais que de fato vivem com dognadde, EMBORA ESTEJÃO VIVOS.
    shey

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  6. Raul! Eu gostaria de rever na internet uma reportagem, sobre como vivem os homens da selva e a pesca no Rio Negro.
    SHEY

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  7. Raul!Se possível faça uma reportagem sobre o Rio São Francisco, os ribeirinhos e a rxtinção de algumas espécies de peixes, como o "surubim". bem como a poluição deste rio maravilhoso.
    Shey.
    São José SC

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  8. Raul! Ao ler uma reportagem sua sobre pedofilia, postada em janeiro, digo a você, que os ditos erros da fé são mais covardes, do quê se sabe, eu mesmo com 40 anos, durante 10 anos fui mulher de padre e só através da justiça é que pude rever meus direitos. Minha história daria uma ótima reportagem, só não posso falar agora. shey

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  9. RAUL, ULTRAJANTE A MATANÇA DE CRIANÇAS INDIGENAS.AS AUTORIDADES FECHAM OS OLHOS PARA TAMANHA CRUELDADE. SERA QUE OS INDIOS PODEM BRINCAR DE DEUS? ELES PODEM DECIDIR QUEM VIVE OU MORRE? SABEMOS QUE E UM COSTUME EXISTENTE EM QUASE TODAS AS TRIBOS. DEVE SER PERMITIDO MESMO NOS DIAS ATUAIS?

    ANDREIA

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