quinta-feira, 22 de abril de 2010

Um certo Jacinto

Outro dia fiz uma reportagem sobre moradores de rua. Aliás, pra ser justo, peguei carona num brilhante trabalho de garimpagem feito pelo produtor Lúmi Zúnica. Ele se disfarçou de mendigo e descobriu que contrabandistas estavam usando os moradores de rua para lavar dinheiro. Usavam, na verdade, a identidade dos mendigos para trocar dólares por reais ou enviar dinheiro para o exterior. E Zúnica viveu entre eles durante três semanas. Nesse tempo, descobriu muita coisa, além da pilantragem dos contrabandistas. Encontrou e conheceu pessoas que jamais imaginamos morar nas ruas. Ele me contou sobre um certo 'Jacinto' que conheceu no abrigo. O cara falava fluentemente português, inglês, italiano, espanhol, árabe e até alguns dialetos indígenas. Conhecia a amazônia brasileira, peruana, venezuelana e colombiana, além de paises europeus e asiáticos. Disse que conheceu e foi amigo de Negro Acácio, um dos comandantes das Farc's (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia). Jacinto tem brevê de aviador. Contou que era dono de um Cessna 210. E que ele mesmo, e só ele, pilotava o avião. Zúnica me contou que, numa das conversas que tiveram, Jacinto falou com propriedade sobre as Cruzadas, a inquisição, a vida monástica de Santo Antão e tambem sobre os grandes homens da humanidade, como Sakyamuni ou Siddhartha Gautama, o primeiro Buda. Esse cara, o Jacinto, que sabe tanto da vida e de tantas outras coisas, vive nas ruas de São Paulo. O que o terá arrastado pra lá ? Zúnica não sabe. Jacinto se recusou a falar sobre isso. Mas ele deve ter sofrido um golpe e tanto. Como todos os outros treze mil que vivem nas mesmas condições em São Paulo. Treze mil! É como se toda a população de uma cidade como Cabo Verde, por exemplo, vivesse nas ruas. E existem muitos 'Jacintos' entre eles. Como um ex-lutador de vale-tudo que já ganhou milhares de dolares nos ringues. Ou um marroquino formado em Artes na USP. Pessoas que foram de tal forma espancados pela vida que preferiram se deitar na vala comum dos marginalizados. Preferiram o anonimato das ruas. Não têm mais nome, nem rosto, nem passado. Passam por nós como se fossem sombras. Daquilo que já foram um dia. Nem sonhar, sonham. Zúnica me disse os quartos dos abrigos da prefeitura são divididos por até 80 pessoas por noite. E que é dificil dormir, por causa dos gemidos e lamentos. O sono dos moradores de rua é povoado por pesadelos. Até as boas lembranças são cruéis, porque evocam pessoas e situações que, provavelmente, nunca mais farão parte da vida deles. Talvez seja por isso que vagam sem destino. Porque perderam a mola mestra da vida. Aquilo que costumamos chamar de esperança.

A reportagem sobre o esquema criminoso que usava moradores de rua como laranjas está logo abaixo. Espero que gostem.

                                        

5 comentários:

  1. Oi Raul. Assistindo à reportagem, fico imaginando o quanto esse expediente deve ser utilizado por esse país afora.Como essas pessoas, pobres homens e mulheres,desprovidos de lar, família, dignidade e muitos até identidade, são usadas todos os dias para a prática do crime. Muitos, acredito, são levados a se envolver como meio de sobrevivência, pois estão marginalizados, sem emprego, sem oportunidades. Isso tudo é muito triste, mas uma realidade em nosso país. Parabéns à você e toda equipe pelo trabalho brilhante. Um beijo
    Luciane- RJ

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  2. Ola Raul, tudo bem?

    Tive um tio que, quando solteiro nunca bebeu. Lembro que, quando ele chegava para almoçar pedia para irmos comprar uma "Tubaina" para ele na mercearia que tinha na esquina de casa.
    Ele era um ótimo serralheiro,as pessoas viviam atrás dele para contratar seus serviços.Depois de alguns anos de casado, começou a beber tanto que,resumindo,acabou o casamento,e ele voltou a morar com a minha avó. Mas não durou muito e acabou indo para a rua.Ficou anos morando na rua, bebendo, vivia caido pelos cantos e quando alguém da família queria ajuda-ló,não aceitava.Eu sempre me perguntava,porque,uma pessoa que nunca havia colocado uma gota de alcool na boca,uma pessoa tão inteligente, trabalhadora, com uma família linda estava naquela situação. Ele foi achado caido na rua numa noite de muita chuva, e recolhido pelos moradores da "Toca de Assis". Você já deve ter ouvido falar deles. Ficou internado lá até o fim de sua vida. Ninguém,nunca soube realmente o porque dele ter tomado este rumo na vida.
    Acredito que, ele também deva ter perdido a esperança na vida. Hoje, sempre que passo perto de alguém que fica na rua, faço uma oração pedindo a Deus que o envolva com muita amor, pois ele, com certeza, esta precisando muito mais que todos nós.

    Elisabete - Sorocaba

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  3. Raul! Dê os seus giros pelo mundo, volte com boa noticia, saboreie os melhores sucos de frutas, que a nossa Minas Gerais produz. Eu fico por aqui tomando meu vinho e curtindo o Luke, meu cachorrinho.
    Com carinho! Tia Shyrley

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  4. Amo suas reportagens,acho elas muito ricas em informaçoes,de vc nao poderia esperar nada diferente nao e mesmo,esta de parabens.Ate mais Raul Dias.De sua amiga Julia.

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  5. ola Raul , como vai?
    resolvi acessar o site e vi a matéria...quando ando na rua nunca viro o rosto para estas pessoas,cumprimeto e dou um sorriso, e quando possível pergunto se esta tudo bem. A indiferença e o medo a estas pessoas os deixam mais marginalizados, isso me incomoda muito e sempre me pergunto o que será que aconteceu??? conheco e tenho contato com pessoas moradoras de rua, infelizmente cada um tem sua historia e o seu motivo: alcool , violencia, desilusoes, drogas...enfim ,devemos ajudar sempre que possivel , compaixão é a palavra.
    um grande sábio dizia - comece ajudando a quem esta ao seu lado.
    um grande abraco e continue escrevendo suas grandes materias.
    sua velha amiga debora (muz)

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