terça-feira, 6 de abril de 2010

O sexo dos anjos

Tempos atrás, fiz reportagens sobre pedofilia em duas cidades amazonenses. Em Tefé o acusado era um juiz. Em Coari, um prefeito. Esta semana trabalhei em outros casos, que envolvem padres e crianças. Qual a diferença entre elas ? Apenas o disfarce usado pelos pedófilos. Enquanto um se esconde atrás de uma toga, outro usa paletó e gravata. E os ultimos, batinas. Em comum, o fato de se aproveitarem de cargos, posições e circunstâncias para roubar a infância de inocentes e abalar a estrutura de muitas famílias. Um tipo de crime que, quando cometido por um padre, adquire outra dimensão. Quando alguem escolhe uma religião, imediatamente cria, mesmo inconscientemente, uma relação de dependência espiritual com aqueles que dirigem a igreja. Sejam eles padres, pastores ou rabinos. O caráter dessas pessoas nunca é colocado em dúvida e elas acabam se tornando, para a família, modelos de comportamento. E conquistam a confiança dos pais. Quando esta confiança é traída de uma maneira tão mesquinha e perversa, o mundo, para estes pais, desaba. O depoimento da mãe de um menino de Rio Claro, abusado por um padre que dirigia um colégio claretiano, está entre os mais comoventes que já gravei. Uma coisa é ver esse depoimento na tv, com a mãe escondida por uma penumbra e com a voz distorcida. Recursos usados para preservar a identidade da mãe e, principalmente, da criança. Outra coisa é estar frente a frente, olhando nos olhos, percebendo as lágrimas que rolam a todo instante, as pausas na fala, o soluço incontido, enfim, imaginar a dor que um coração de mãe consegue suportar. Em um determinado trecho que não foi ao ar, ela me explicou como percebeu os sinais enviados pelo filho, que tinha nove anos de idade. Alguns foram literalmente descritos através de desenhos, feitos no caderninho da escola. Ela contou que "os desenhos dele eram sempre matando, sempre passando a faca no pescoço de alguém, sempre tinha gotas de sangue. E um determinado desenho me chamou a atenção... ele fez um cavaleiro com um revólver na mão e o revólver apontava para o pênis do homem deitado no chão. As balas saíam do revólver e batiam ali..." Não consigo imaginar a dor, a revolta e a indignação dos pais ao ouvir algo assim. E ao descobrir que os agressores são justamente aqueles que deveriam oferecer proteção e afeto aos seus filhos. Quem consegue ficar indiferente ? O alto clero da igreja católica ficou. A mesma mãe de Rio Claro me disse que jamais foi procurada por alguem da igreja catolica ou do colégio claretiano: "nunca perguntaram se nós estávamos precisando de ajuda, se as crianças estavam precisando de ajuda, como estava o psicológico... O que fizeram na época foi escrever uma matéria nos chamando de mentes insanas, de mulheres loucas, de psicopatas. Acobertaram." Durante anos, ou séculos, foi esta mesma cumplicidade, a do silêncio permissivo, que permitiu que criminosos de batina abusassem de crianças. Um padre condenado a 16 anos de prisão por pedofilia, em duas instâncias, ainda está nas fileiras da igreja. Ainda ostenta o título de padre. E ainda pode destruir a vida de outros inocentes. Entre dogmas que remetem à pré-história e a proteção incondicional a seus sacerdotes, a igreja católica continua pecando pelo acobertamento, omissão e conivência. O preço, um dia, será cobrado.

As fotos que ilustram este post não foram escolhidas por acaso. Elas foram tiradas numa vila do Iemen. Eu e Henry Ajl estavamos caminhando por uma viela quando encontramos um grupo de crianças. Henry parou para fazer imagens e, logo depois, um menino surgiu conduzindo um jumento. Ele ficou tão encantado com a câmera de Henry que parou ali por longos minutos. O pai dele o chamava insistentemente para seguirem em frente e o menino nem ouvia. O olhar de encantamento dele me encantou tambem. Transmite inocência, pureza, fragilidade. Tudo aquilo que, imagino, os anjos tambem carregam no olhar.   

A reportagem completa, exibida pelo Domingo Espetacular, mostra outros casos, além de Franca e Rio Claro. Para assistir, basta clicar no vídeo abaixo:  

                                        

Um comentário:

  1. Oi Raul. Assisti a reportagem no DE, fiquei indignada. Como podem, esses homens que, pelo menos em tese, e muitos só em tese mesmo,são preparados para praticar o bem, difundir a palavra de Deus, aconselhar e até proteger, praticar tais atos? Que absurdo!!! Me assombra o cinismo do padre ao lhe conceder entrevista,fiquei, com perdão da má palavra, enojada, é de dar náuseas. O pior é que provavelmente nunca será punido e aqueles a quem violentou, terão que conviver com esse trauma para o resto de suas vidas. Parabéns pela reportagem. Beijo Luciane

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