As primeiras imagens eu vi pela televisão. Depois, li nos jornais e
internet. Ainda ouvi, pelo rádio e televisão, as mais diferentes
opiniões, avaliações e interpretações. Alguns chamaram os manifestantes
de heróis. Outros, de baderneiros. Fiquei curioso. Afinal, qual a
verdadeira face dos manifestantes ? Quem são ? O que querem ? Ontem, no
sexto dia de manifestações em São Paulo, tive a oportunidade de ver de
perto, ao vivo e a cores, algumas dessas faces. Mas acho que dei azar.
Logo que chegamos na praça da Sé, local da concentração, fui abordado
por manifestantes. Alguns elogiam a cobertura jornalistica, outros
criticam, mas o tom é pacífico. Não diria brando, ou suave, mas pacífico.
Conheço e entrevisto jovens, senhores, senhoras e idosos. Todos dizem
praticamente o mesmo: 'Estamos cansados, fartos, queremos mudanças,
queremos respeito, queremos dignidade'. Bonito e justo. Mas a beleza
acaba ali. O que presencio, a seguir, são momentos de tensão, violencia,
saques, depredações e medo. Começa ali mesmo, na praça da Sé, quando um
bando cerca e tenta agredir o jornalista Caco Barcellos. Ameaçado por
dezenas de valentões, Caco se refugia num bar. Solidário, o dono manda
baixar as portas. E elas são esmurradas sem dó nem piedade pelos
'manifestantes'. Soube depois que Caco só conseguiu deixar o local horas
mais tarde. Logo ele. Caco Barcellos. Jornalista que fez, e faz,
história denunciando mazelas e injustiças. Dali, da praça da Sé,
acompanhamos a marcha dos manifestantes por algumas ruas e avenidas de
São Paulo. E paramos em frente à prefeitura, onde milhares de pessoas se
reunem. Ali, encontramos um cenário perfeito para a baderna se
instalar. Nenhum policial, nenhuma força pública, nada a lembrar que
existem insituições como Estado, Governo. Ou preceitos como Lei ou
Ordem. O 'estado' é de guerra, balbúrdia, agressões e transgressões.
Jovens que nunca andaram de onibus quebrando tudo pela frente. Gritando
contra tudo e contra todos. Rapazes muito bem nutridos e vestidos
portando cartazes questionando a religiosidade das pessoas. Assim, de
peito aberto, de cara limpa, mostrando a face repugnante do fascismo, do
nazismo, do odio e da intolerância. Já os punks e neo-nazistas se
disfarçam, cobrem a cabeça, calçam coturnos, pisoteiam a cidadania e a
dignidade de quem encontram pela frente.
Quando começam a empurrar o
carro de link, numa tentativa de tomba-lo, procuramos um ponto mais
alto para nos proteger e registrar as imagens. Somos acolhidos pelos
ocupantes de um prédio abandonado. Sem-tetos que nos abrem as portas
para que possamos, simplesmente, trabalhar. De cima, registramos muitas
imagens. Todas, tristes. Depredações, saques, incêndios, brigas,
arrastões. E nada de polícia. E nada de segurança. Com o ódio instalado
na praça, as equipes de reportagem de todas as emissoras são orientadas a
deixar o lugar. Mas nós estamos sitiados. Acuados no terceiro andar do
prédio. De baixo, alguns 'manifestantes' nos localizam. E tentam invadir
o prédio. São contidos pelos moradores, pelos sem-teto, que, armados
com facas e barras de ferro, impedem as tentativas de invasão. O ápice
do terror acontece logo depois. Os corredorres escuros do velho edificio
de repente são tomados pela fumaça. E pelo pavor de mulheres e crianças
que gritam: "colocaram fogo no prédio!" E é verdade. Os baderneiros
incendeiam o andar terreo, onde funciona uma agencia do Itaú. Sem se
importar se aquilo pode se transformar em tragédia. Sem se importar com
nada nem ninguem. A única causa desses 'manifestantes' agora é agredir e
destruir. Saímos junto com os moradores, tentando ocultar qualquer
simbolo ou equipamento que nos identique como jornalistas. E assim
passamos pelo cerco dos vandalos, que ainda esperam por nós. É o fim do
pesadelo. No primeiro dia que acompanhei os protestos, conheci somente a
face sombria das manifestações. Espero conhecer a outra. Espero, ao
menos, que ela exista.
