quinta-feira, 27 de agosto de 2009

A incrível história dos Iawanawás - parte II


A história dos Iawanawás me foi contada pelo próprio cacique da tribo, o Bira. Ele tem 45 anos. Parece ter menos, por causa da aparência jovial. Mas as vezes parece ter mais, pela liderança nata e sabedoria que usa para guiar seu povo. Bira viveu algum tempo longe dos Iawanawás. Foi para a cidade grande, estudou, conheceu outra realidade, e então se deu conta que o sentido da vida é estar junto aos seus. Voltou para a reserva, escolheu um lugar às margens do Rio Gregório e montou ali uma nova aldeia Iawanawá. Aos poucos, os Iawanawás foram voltando, construindo suas casas de madeira e se reagrupando. Mas, para Bira, ainda faltava algo. "A aldeia estava novamente povoada, as famílias estavam felizes, mas percebi que nós não tínhamos mais identidade. A gente não fazia mais festa como nossos antepassados faziam e poucos, como eu, falavam a língua Iawanawá. Eu precisava de alguém para ensinar isso aos mais novos. Foi aí que me lembrei de Iawá. (lê-se iauá)", conta. Iawá (que aparece na foto acima, num raro momento de quietude) estava vivendo, solitário, em uma comunidade ribeirinha, e foi resgatado por Bira. Hoje Iawá é o pajé da tribo. Tem 97 anos. Mas, sinceramente, nunca vi ninguem com tanta energia. Ele não para. Fala o tempo todo. Caminha falando, mesmo sozinho. Comanda as danças com os mais jovens. E contagia a todos com sua vitalidade. Aliás, que vitalidade. Iawá tem 32 filhos. A caçula tem 11 anos! E foi este jovem senhor que trouxe de volta as danças, os cantos, os costumes, a tradição. Trouxe de novo, enfim, o orgulho de ser Iawanawá. Encheu a aldeia de alegria. Entre os costumes que Iawá trouxe de volta está o de tomar rapé. E fui convidado por Bira para fazer parte deste ritual, logo na manhã seguinte à nossa chegada. Ele me explicou tudo detalhadamente. Disse que o costume é secular. E que o rapé Iawanawá, além de tabaco, tem também as cinzas de uma árvore considerada sagrada. E que funciona como um ritual de boas vindas e de purificação do corpo. Para tomar a dois, é preciso um instrumento especial. Parece um canudo com mais ou menos dois palmos de comprimento, feito de osso. No meio, tem um arranjo vermelho, feito em couro. Bira me explica que se trata do osso de um gavião real, ave que os Iawanawás consideram sagrada. Além do gavião real, ou harpia, o outro animal sagrado para eles é a onça. "São os mais fortes da floresta. O gavião real é a ave mais forte do mundo. Ele mata macacos e preguiças para comer. É o rei dos céus. E a onça é o animal mais rápido, perigoso e bonito da floresta. É a rainha da terra", acrescenta. Depois da explicação, ele mostra o rapé, dentro de um vidro pequeno. Um pó bem fino e escuro. Coloca um pouco na ponta do canudo e pede que eu segure a outra ponta. Não faço a menor idéia do que vai acontecer. Então ele manda eu colocar a ponta do canudo dentro do nariz e fechar os olhos. E assopra forte. Olha, a primeira impressão é que assopraram brasas para dentro da sua cabeça. A segunda é que a tampa da cabeça saiu e foi parar em Saturno. Você não consegue respirar, os olhos marejam, dá um suador danado e o coração dispara. Depois de alguns minutos, quando o mundo começa a voltar ao normal, Bira pede que eu coloque em outra narina e assopra de novo. Aí é o caos total. As pernas bambeiam e os olhos parecem ter saltado das órbitas. Só consigo respirar pela boca. Dá até ânsia de vômito. Mas depois de algum tempo, a sensação ruim passa. E você se sente leve. Com o corpo e a alma leves. Com a certeza de que o ritual do rapé é mesmo purificador. Aliás, como o Ayahuasca, outro ritual onde a mente é levada à universos paralelos encantadores. E assustadores também. Sobre isso, depois eu conto. Até.

Um comentário:

  1. Oi Raul, voce some mas seu retorno e sempre triunfal. To apaixonada pela histórias dos indios Iawanawás e o ritual do rape e tudo, apesar do que voce passou na hora, encantador. Sua narrativa me fez sentir o cérebro ardendo mas a tampa da cabeça em Saturno me provocou gargalhadas... Impagavel.
    Parabens pelas excelentes conquistas. E pelas liçoes de vida e sabedoria que voce sempre nos proporciona. Sucesso sempre.
    Sua fa numero zero,

    Cássia - Vicosa - MG

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