quarta-feira, 10 de junho de 2009

A banalização do desastre

Desde a queda do avião da Air France tenho sido questionado diariamente, nas ruas e até por colegas, com a seguinte pergunta: 'por que você não está lá, cobrindo este acidente ?' Acho normal o questionamento. E até me sinto lisonjeado. A lembrança é resultado das duas coberturas que participei, da Gol, em outubro de 1996, e da TAM, em julho de 1997. Ambas foram marcantes e me trazem lembranças. Algumas dolorosas. A profissão que escolhi impõe, muitas vezes, um contato muito próximo com tragédias. E, confesso, jamais conseguirei me distanciar da dor que sentem as pessoas diretamente envolvidas. No acidente com o Boeing da Gol, por exemplo, fiz uma cobertura impessoal até o momento em que vi, de perto, os helicópteros retornando da floresta com o corpos. Era um final de tarde. Um dos primeiros dias de resgate efetivo. Eles surgiram no horizonte, por tras das copas das árvores, como pontinhos pretos no céu. Tão longe que nem dava para escutar o barulho do motor. Nem perceber a carga macabra que traziam. Os helicópteros demoravam bastante até chegar ao campo de futebol da fazenda, improvisado como campo de pouso. Só quando estavam razoavelmente próximos é que pude perceber aqueles cestos enormes pendurados. E fiquei parado, olhando aquilo, totalmente sem ação. Naquele momento, me dei conta de que existia muito mais do que simplesmente 'corpos' ali. Existiam pessoas, histórias de vida, planos, sonhos, alegrias, decepções, enfim, tudo aquilo que faz parte de nossas vidas também. Esta percepção me fez mudar radicalmente o tom da cobertura. Em respeito aos telespectadores e, principalmente, às famílias que estavam sofrendo pela perda de entes queridos. O desfecho da cobertura, com a entrada na floresta e a chegada aos destroços, foi resultado de um conjunto de fatores. Que um dia pretendo contar, em detalhes, num livro que já começou a ser esboçado. Porque escrevo tudo isso ? Acho que tenho ouvido muito, nestes últimos dias, a palavra 'corpos'. E ela tem sido repetida, à exaustão, como se fosse banal. Não é.

2 comentários:

  1. Gostaria de aproveitar esse seu texto sobre cobertura jornalística , para falar do descalabro dos senhores e senhoras do STF que decidiram pela não obrigatoriedade do diploma de jornalista para enfrentar tal situações como essa que você conta.
    Esse pessoal poderia trabalhar em prol de um Brasil melhor. Mas não: decidem pelo fim do conhecimento, da educação, da informação, das investigações jornalísticas, das apurações e reportagens que traduzem a realidade, que reconstituem a realidade. Esse grupo, não sabe - ou sabe - o tamanho da besteira que está fazendo com as faculdades de comunicação social, com o desemprego, e em médio prazo com a falta de conhecimento político do povo brasileiro.
    Os grotões do Brasil agora vão vibrar com a falta de jornalistas para denunciar as falcatruas que assola o interiorzão.
    É isso que Brasília inteira quer. É isso que as famílias de todos lá de cima querem. Para eles, estar recebendo os gordos salários pagos pelo POVO BRA-SI-LEI-RO, é o bastante. São, a partir de agora inatingíveis. Estão livres e soltos. Quem vai investigá-los? Quem vai denunciar as contratações de parentes, os mensalões e os castelos? Agora vai ficar do jeito que o DIABO gosta. Nicolau - Jornalista com Diploma

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  2. Impressionante como você consegue falar com a alma, o coração! Impressionante como consegue, com tanta facilidade, nos fazer entender o que sente ou sentiu. O texto sobre a banalização do desastre é só uma pequena amostra de nossa insensibilidade diante acontecimentos que nos cercam. Outro dia, passando pelo centro de Campinas, cruzei com três pessoas dormindo nas calçadas, em plena Avenida Campos Sales. Estavam totalmente cobertas, então não pude ver se eram crianças, jovens ou velhos... as pessoas simplesmente se desviavam delas, como se fossem um obstáculo comum, como uma lata de lixo. Fui para casa conversando com o André e pensando em como ninguém podia perceber que ali estavam seres humanos. Não sei se roubam, não sei se usam drogas, enfim, não conheço aquelas pessoas, mas sei que são seres humanos. Detalhe: estava chovendo muito e fazia muito frio.
    No dia seguinte, recebi um email no trabalho com uma mensagem falando sobre agradecer por tudo que temos. A mensagem continha várias fotos de crianças famintas, morrendo, com aquele olhar que nos faz pensar o que somos realmente... o que vale a pena... cheguei a uma conclusão: é inconcebível uma pessoa passar fome! Mas é pior ainda nossa indiferença diante de tudo isto! Realmente, a palavra "corpos" não é banal. Cris

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